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Entrevista com Cleito Pereira dos Santos sobre o livro "Capitalismo e Questão Racial"


Capitalismo e Racismo: 
Entrevista com Cleito Pereira dos Santos



Cleito Pereira dos Santos é sociólogo, professor da Faculdade de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Goiás, autor e organizador de várias obras, pesquisador do NEMOS (Núcleo de Estudos e Pesquisa em Movimentos Sociais) e organizador, com Nildo Viana, do livro Capitalismo e Questão Racial, que foi publicado originalmente em 2009 e agora recebe nova edição pela Edições Redelp. O Blog Edições Redelp fez uma entrevista com Cleito Pereira dos Santos a respeito do livro, de sua temática e questões relacionadas.


Blog Edições Redelp: Qual é a intenção ou objetivo do senhor ao lançar essa obra na atualidade?

Cleito Pereira dos Santos: O debate sobre o racismo continua presente no Brasil e no mundo. As políticas liberais implementadas desde a década de 1960 nos EUA e, posteriormente, no Brasil no final dos anos 1990 demonstraram que o movimento negro e as populações negras têm muito o que fazer quando se trata do combate ao racismo e da luta pela igualdade. Nesse sentido, a conjuntura atual de recrudescimento do racismo com a ascensão de grupos de extrema direita, neonazistas, fascistas, nacionalistas ao redor do mundo, coloca a importância do debate na atualidade. O livro contribui para entendermos essa relação histórica entre capitalismo e racismo e o objetivo é contribuir com a luta da população negra contra as práticas capitalistas e racistas.


“As lutas radicais do movimento negro demonstram que a luta contra o racismo é também a luta contra o capitalismo”.



Blog Edições Redelp: A questão racial, tema do livro do qual o senhor é organizador, é algo permanente na história da nossa sociedade. Apesar das inúmeras lutas, organizações, produções intelectuais, que denunciaram e combateram o racismo, ele permanece existindo e sendo fonte de novas lutas. O livro contribui para compreender essa permanência do racismo na sociedade moderna apesar de alguns avanços que ocorreram?



Cleito Pereira dos Santos:
Capitalismo sem racismo é "a ilusão de neoliberais e progressistas"
Cleito Pereira dos Santos: O livro contribui para entendermos a permanência do racismo tendo em vista o esforço dos autores em apresentar uma análise contextualizada em que capitalismo e racismo são apresentados como elementos históricos e, portanto, como passíveis de serem eliminados. As lutas radicais do movimento negro demonstram que a luta contra o racismo é também a luta contra o capitalismo. Em uma sociedade de classes como o capitalismo, as relações sociais apresentam-se marcadas pela distinção, classificação, representações a partir da cor do indivíduo, bem como pela sua classe social. Nesse sentido, torna-se fundamental compreendermos a sociedade capitalista em sua dinâmica de produção e reprodução da estrutura racista que permeia a própria sociedade.

“Essa história de constituir uma sociedade sem racismo, mantendo as relações capitalistas é uma ideologia de certos liberais e da esquerda social-democrata. Trata-se de implementar reformas que supostamente eliminariam o racismo, mas manteriam o capitalismo. Esta é uma ilusão que unifica os liberais e os progressistas”.

Blog Edições Redelp: Relacionar capitalismo e racismo é algo polêmico. Para alguns, como Steve Biko, racismo é inseparável de capitalismo, para outros, são fenômenos sem relação. O título do livro remete para essa relação. É possível capitalismo sem racismo? E, por outro lado, é possível racismo sem capitalismo?

Cleito Pereira dos Santos: O capitalismo se estruturou a partir da constituição de uma ideologia racial utilizada para submeter povos em outros continentes. Desse modo, o processo de colonização e a escravidão representaram o marco inicial da acumulação capitalista. Marx havia identificado isso quando afirmou que a acumulação capitalista estava marcada pelo sangue negro. Evidente que ele se referia a exploração capitalista nas colônias ao redor do mundo. Portanto, creio que o racismo seja inseparável do capitalismo. Essa história de constituir uma sociedade sem racismo, mantendo as relações capitalistas é uma ideologia de certos liberais e da esquerda social-democrata. Trata-se de implementar reformas que supostamente eliminariam o racismo, mas manteriam o capitalismo. Esta é uma ilusão que unifica os liberais e os progressistas.

“Que democracia é essa em que a população negra não tem acesso a saúde, educação, trabalho decente?”

Blog Edições Redelp: O sociólogo Florestan Fernandes apresentou contribuições sobre a análise da questão racial no Brasil. Como poderíamos qualificar essa contribuição?

Cleito Pereira dos Santos: Florestan Fernandes tem o mérito de confrontar a ideologia da democracia racial desmistificando os seus fundamentos. Que democracia é essa em que a população negra não tem acesso a saúde, educação, trabalho decente? Sua contribuição, embora apresente alguns equívocos quando imagina que o racismo desapareceria à medida que a economia de mercado triunfasse, é fundamental para as lutas da população negra nos anos 1980/1990. Como intelectual, sempre se interessou em denunciar o racismo presente na sociedade brasileira.


“O divisionismo foi estimulado com a proliferação de inúmeros grupos identitaristas e com a perspectiva dos financiadores em mente”. 

Blog Edições Redelp: As relações raciais são um fenômeno social complexo e envolvido em diversas outras relações sociais. Na sociedade brasileira, ela assume características específicas. A complexidade se manifesta, por exemplo, nas diversas tendências e ramificações do movimento negro, muitas vezes distintos, opostos e em certos casos até antagônicos. Por qual motivo não existe uma unidade no movimento negro brasileiro?

Cleito Pereira dos Santos: O movimento negro brasileiro tem suas especificidades, singularidades. Ao mesmo tempo que existe um movimento negro progressista, existe também um movimento negro conservador. Diversos grupos ligados de modo orgânico a partidos tanto de direita quanto de esquerda. Ao mesmo tempo, certos grupos não conseguem ter inserção entre a própria população negra; soma-se a isso as dificuldades materiais dos grupos mais periféricos e que poderiam contestar o racismo de modo radical. Além disso, nos últimos 20 anos o Partido dos Trabalhadores, as fundações internacionais e outros grupos apostaram firmemente na cooptação de movimentos e lideranças negras através de Organizações Não-Governamentais, as famosas ONG’s, que implementaram as políticas raciais de matriz norte-americana no Brasil. O divisionismo foi estimulado com a proliferação de inúmeros grupos identitaristas e com a perspectiva dos financiadores em mente. As universidades talvez sejam onde esses grupos atuaram com mais ênfase. Esta política foi determinada, em grande medida, pelas instituições internacionais, notadamente a Fundação Ford. Tratava de constituir as lideranças locais que iriam expelir os conteúdos raciais conservadores das instituições que os financiaram. Então, isso dificulta a unidade do movimento negro em torno de um projeto comum de luta contra o capitalismo, gerador de injustiças, desigualdades, racismo, discriminação racial, etc.


“Vejo que existe um esforço institucional e de partidos políticos em dizer que hoje é melhor; mas tudo isso é ideologia”. 


Blog Edições Redelp: Como o senhor analisaria a situação da população negra hoje na sociedade brasileira? Ela vem melhorando? Ou está piorando? Ou a análise teria que ser mais concreta, com alguns setores melhorando e outros piorando?

Cleito Pereira dos Santos: Os dados das próprias instituições governamentais relatam o quadro de injustiças que afetam a população negra. Alguns evolucionistas políticos dirão que hoje a situação melhorou porque no pensamento dessa gente qualquer migalha representa uma revolução. Pensamos o oposto disso. A violência policial é bem representativa do quanto a situação melhorou. A matança de negros continua; as dificuldades dos pobres de continuarem no sistema educacional, permanece. Vejo que existe um esforço institucional e de partidos políticos em dizer que hoje é melhor; mas tudo isso é ideologia.



Para saber mais:

Sobre o livro, clique aqui.

Sobre Cleito Pereira dos Santos, clique aqui.



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