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“O CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO” - ENTREVISTA COM FELIPE MATEUS DE ALMEIDA




“O CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO”
ENTREVISTA COM FELIPE MATEUS DE ALMEIDA
EDIÇÕES REDELP


Felipe Mateus de Almeida é sociólogo, com graduação em Ciências Sociais e Mestrado pela Universidade Federal de Goiás, bem como doutorando nessa mesma universidade. Felipe Mateus de Almeida também é pesquisador do GPDS – Grupo de Pesquisa Dialética e Sociedade (UFG) e do NEMOS (Núcleo de Estudos e Pesquisa em Movimentos Sociais). Além disso, Felipe Mateus é autor de vários artigos e capítulos de livros, bem como organizador das coletâneas Lazer, Trabalho e Consumo: a dinâmica mercantil e os impactos socioculturais (CRV, 2018) e Tempo Livre, Lazer e Sociedade (CRV, 2019) . Felipe Almeida acaba de lançar mais uma obra organizada por ele, intitulada “O Regime de Acumulação Integral: Retratos do Capitalismo Contemporâneo”. A Edições Redelp fez uma entrevista com Felipe Mateus de Almeida a respeito desse livro, de sua temática e questões relacionadas.

Edições Redelp: Qual é a intenção ou objetivo do senhor ao lançar essa obra na atualidade?

Felipe Mateus de Almeida: O objetivo da coletânea “O Regime de Acumulação Integral: Retratos do Capitalismo Contemporâneo” é apresentar uma análise, partindo de uma perspectiva crítica, do atual estágio de desenvolvimento do modo de produção capitalista e ao regime de acumulação integral, demonstrando como ele atua e auxilia no processo de dominação e exploração da classe operária e das demais classes inferiores.

Edições Redelp: O tema “Regime de acumulação integral” parece não ser muito acessível ao grande público. Trata-se de uma publicação de interesse apenas de especialistas, como economistas e sociólogos?

O termo “acumulação integral” realmente não é muito acessível ao grande público por ser um termo relativamente novo, mas a intenção da coletânea [...] é demonstrar que esse termo serve para explicar como funciona a dinâmica de exploração e controle social da classe operária e das demais classes inferiores no atual estágio de desenvolvimento do modo de produção capitalista.

Felipe Mateus de Almeida: A luta cultural é parte de uma luta mais ampla, que é a luta pela superação do modo de produção e todas as suas relações sociais. Nesse sentido, compreendo que a escrita de um livro ou a organização de uma coletânea, principalmente quando se parte de uma perspectiva crítica, contribui de maneira significativa para esse processo de luta cultural e, consequentemente, para a emancipação humana. O termo “acumulação integral” realmente não é muito acessível ao grande público por ser um termo relativamente novo, mas a intenção da coletânea, bem como daqueles que dela participaram enviando seus textos, é demonstrar que esse termo serve para explicar como funciona a dinâmica de exploração e controle social da classe operária e das demais classes inferiores no atual estágio de desenvolvimento do modo de produção capitalista. Os textos que foram selecionados para compor a coletânea, apesar de fazerem uso de termos e conceitos provenientes da sociologia, foram escritos com uma linguagem simples e de fácil compreensão, objetivando atingir não só economistas e sociólogos, mas todo e qualquer ser humano que tiver interesse em compreender a dinâmica de funcionamento do capital em época de acumulação integral.

Edições Redelp: O livro aborda a fase atual do capitalismo, entendida como sendo caracterizada pelo regime de acumulação integral. Porém, outros autores tratam essa época de forma diferente. Alguns usam apenas neoliberalismo, outros globalização, além daqueles que falam em regime de acumulação flexível ou financeirizado. O que diferencia, em grandes linhas, a abordagem dos autores do livro em relação a estas outras concepções?

Felipe Mateus de Almeida:
O que se tem nesses processos é uma recusa da totalidade
em conjunto com uma despolitização das lutas
desenvolvidas no cotidiano [...]
Felipe Mateus de Almeida: A diferença fundamental entre a abordagem dos autores que participam da coletânea em relação a autores que tratam o regime de acumulação integral apenas como “neoliberalismo”, “globalização” e “regime de acumulação flexível ou financeirizado” reside na perspectiva da qual estão partindo, que é uma perspectiva crítica e que representa os interesses da classe operária e das demais classes inferiores dentro do modo de produção capitalista. A classe operária não sente esse processo de flexibilização da jornada de trabalho, da “livre escolha” e da disputa igualitária por uma vaga de trabalho de maneira positiva. O que se tem é justamente o contrário: aumento da exploração, perca de direitos sociais, diminuição de salários, perca da estabilidade financeira, etc. Nesse sentido, para a classe operária e as demais classes inferiores no modo de produção capitalista, falar em “acumulação flexível” é um equívoco, pois na verdade o que se tem é um processo de acumulação integral, que atinge não só as relações de trabalho, mas todas as demais relações sociais desenvolvidas pela classe operária e as demais classes inferiores. O neoliberalismo e a globalização – lembrando que o termo globalização é passível de várias críticas, - são partes constituintes do regime de acumulação integral, estando associados a diversas outras características e processos que descrevem o atual estágio de desenvolvimento do capital.  

A essência do modo de produção capitalista continua sendo a extração do mais-valor, mas para que esse mais-valor possa continuar a ser extraído é preciso que ocorram mudanças em suas formas de extração.

Edições Redelp: O que podemos ver de novo na atual fase do capitalismo? O capitalismo não é o mesmo? As mudanças não são superficiais (como desenvolvimento tecnológico, por exemplo)? O que justifica pensar que é uma nova fase do capitalismo?

Felipe Mateus de Almeida: O modo de produção capitalista está em constante processo de mudança e desenvolvimento, o que o torna dinâmico. Sempre que há uma queda na taxa de lucro médio, ocorre uma crise e, como consequência dessa crise, surge um novo regime de acumulação. Em conjunto com esse regime de acumulação emergem novas relações sociais, bem como uma nova dinâmica da luta de classes, uma nova forma de Estado e uma nova dinâmica de desenvolvimento das relações internacionais. Penso que as mudanças decorrentes da passagem de um regime de acumulação para outro, não podem ser vistas de maneira superficial, pois o que se tem é todo um processo de mudança articulado que visa atender os interesses da classe dominante e suas classes auxiliares, o que envolve desde a organização do trabalho até o surgimento de novas ideologias, o que acaba interferindo de maneira direta na dinâmica de funcionamento do capital e na própria organização da classe operária e suas formas de resistência. Nesse sentido, a essência do modo de produção capitalista continua sendo a extração do mais-valor, mas para que esse mais-valor possa continuar a ser extraído é preciso que ocorram mudanças em suas formas de extração. Essas mudanças não podem ser classificadas como mudanças simples e superficiais, pois são fruto da luta de classes.
O modo de produção capitalista, bem como a sociedade e as relações sociais que dele são derivadas, são processos históricos e transitórios, assim como os modos de produção e as sociedades e relações sociais que os antecederam. O capitalismo passou e vem passando por várias fases de desenvolvimento e sua reprodução tem se tornado cada vez mais difícil.

Edições Redelp: Em 1989, depois da Queda do Muro de Berlim, começou o discurso de que o socialismo havia desabado e estava derrotado, bem como de que o neoliberalismo e a globalização haviam se generalizado e não haveria mais voltas. Alguns anos depois, Fukuyama lançava sua obra “O Fim da História e o Último Homem”. Muitos passam a escrever sobre o fim das utopias, e o discurso do fim se torna forte: o fim do emprego, o fim do estado, o fim do comunismo. Esses discursos revelam a verdade da atual fase do capitalismo?

Felipe Mateus de Almeida: Não. É preciso que se compreenda o modo de produção capitalista a partir de sua historicidade, ou seja, enquanto um modo de produção que não é eterno ou imutável. O modo de produção capitalista, bem como a sociedade e as relações sociais que dele são derivadas, são processos históricos e transitórios, assim como os modos de produção e as sociedades e relações sociais que os antecederam. O capitalismo passou e vem passando por várias fases de desenvolvimento e sua reprodução tem se tornado cada vez mais difícil. Se afirmarmos que uma determinada sociedade e um determinado modo de produção são eternos e imutáveis, fica complicado compreender sua historicidade.

Para cada regime de acumulação, surgem novas manifestações culturais. Essas manifestações não são neutras, elas são consequência da luta de classes. No regime de acumulação integral [...] ocorre um processo cada vez maior de fragmentação da classe trabalhadora e, em conjunto com essa fragmentação, surgem ideologias que defendem cada vez mais o “identitarismo” e o “culturalismo”.

Edições Redelp: Na discussão sobre “novos movimentos sociais” se criou uma primazia para a questão cultural, valores pós-materiais, identidade, entre outros elementos correlatos. Alguns chamaram isso de “culturalismo” e, algumas destas manifestações foram batizadas de “identitarismo”. Essa primazia do cultural no interior das lutas sociais é um produto do regime de acumulação integral?

Felipe Mateus de Almeida: Para cada regime de acumulação, surgem novas manifestações culturais. Essas manifestações não são neutras, elas são consequência da luta de classes. No regime de acumulação integral, por conta das transformações nas relações de trabalho e o surgimento do Estado Neoliberal, ocorre um processo cada vez maior de fragmentação da classe trabalhadora e, em conjunto com essa fragmentação, surgem ideologias que defendem cada vez mais o “identitarismo” e o “culturalismo”. O objetivo é transferir o problema das classes sociais para o campo do individualismo e das escolhas pessoais. Isso acaba por gerar uma série de reivindicações que priorizam mais a questão da identidade e da “cultura” e se dissociam da luta de classes. Isso pode ser visto em algumas correntes do movimento feminino, do movimento negro, dentre outros. O que se tem nesses processos é uma recusa da totalidade em conjunto com uma despolitização das lutas desenvolvidas no cotidiano, o que faz com que essas ideologias – sobretudo a do pós-estruturalismo e a do pós-vanguardismo – sirvam como uma alternativa de combate a um possível movimento contestador das relações sociais do modo de produção capitalista.

Edições Redelp: O senhor gostaria de acrescentar alguma coisa?

Felipe Mateus de Almeida: Gostaria de agradecer a Edições Redelp pela oportunidade de publicar a coletânea e de ter cedido espaço para que eu pudesse conceder essa entrevista para explicar qual o objetivo de nossa publicação. Além disso, quero aqui reforçar meu agradecimento aos demais pesquisadores que contribuíram com seus textos para que a publicação dessa coletânea pudesse se concretizar. Esses pesquisadores são: Mateus Orio, Lisandro Braga e Nildo Viana.


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