ENTREVISTA
COM DIEGO DOS ANJOS
EDIÇÕES REDELP
Diego dos Anjos é historiador
e sociólogo, com graduação em História pela PUC-GO, Mestrado em Ciências
Sociais pela UNESP/Marília e Doutorado em Ciências Sociais/UnB. Diego dos Anjos
desenvolveu pesquisas sobre zapatismo, organizações mobilizadoras de movimentos
sociais no México e Brasil, entre outros temas. Além disso, Diego dos Anjos é
autor de várias obras. É coautor, com Gabriel Teles, do livro Sociologia e
Teoria do Movimento Estudantil (Rio de Janeiro: Rizoma, 2019), organizador
das obras Educação, Violência e Contradições; Movimento Estudantil:
Conflitos, Organizações e Mobilização; América Latina em Movimento,
entre outras obras. Diego dos Anjos acaba de lançar mais uma obra organizada
por ele, intitulada A Educação em Foco: Políticas públicas, formação,
disciplina e alienação. A Edições Redelp fez uma entrevista com Diego dos
Anjos a respeito desse livro, de sua temática e questões relacionadas.
Edições Redelp: Qual é a
intenção ou objetivo do senhor ao lançar essa obra na atualidade?
Diego dos Anjos: Nosso
objetivo maior com esta coletânea é divulgar algumas pesquisas acadêmicas sobre
a educação escolar e universitária na atualidade. O convite para os autores foi
feito considerando o aspecto crítico de seus trabalhos. A crítica do sistema de
ensino capitalista pode ocorrer em vários sentidos, na mesma proporção da
diversidade de fenômenos que o acompanham. Políticas públicas de educação,
formação de professores, formação dos alunos, alienação, e o mais aparente de
todos os fenômenos relacionados à educação, o conhecimento, são abordados
criticamente nas pesquisas realizadas. Objetivamos dar um passo a mais na
crítica da educação capitalista, e como obra coletiva esta coletânea busca
contribuir a partir das visões apresentadas por cada um dos autores.
Edições Redelp: O tema da
educação, em algumas de suas diversas características, é abordado no livro,
segundo sua apresentação, numa perspectiva crítica. A educação já não vem sendo
alvo de críticas o suficiente?
Diego dos Anjos: Como
dissemos anteriormente, a crítica a diferentes aspectos da educação é o ponto
comum nos textos desta coletânea. Portanto, além desses textos, temos uma
tradicional bibliografia de crítica da educação, não feita somente por
pedagogos, mas por sociólogos, historiadores, filósofos e até mesmo de
professores das áreas exatas e biológicas. Portanto, em termos quantitativos a
educação capitalista é muito criticada.
Mas por outro lado, é
extensíssima a bibliografia defensora educação capitalista, assim, proliferam
as ideologias educacionais que defendem o capitalismo, desde a pedagogia
liberal, a pedagogia tecnicista, revisão neoliberal da pedagogia, e até a
pseudocrítica realizada pelos pedagogos
culturalistas influenciados pela a dominância das ideias pós-estruturalistas, (também
chamadas de “pós-modernas”) na atualidade. Respondendo
com ênfase, a crítica da educação caminha a passos largos, mas ainda não foi suficiente
para a superar a escola capitalista, porque somente com o processo de contestação
revolucionária da sociedade capitalista, haverá condições para uma crítica
revolucionária e propositiva da educação a que somos submetidos. Portanto,
nesta coletânea também percebemos os limites da crítica da educação
capitalista, mas mesmo assim as críticas limitadas refletem a necessidade de criticar
ainda mais a educação capitalista.
Qualquer
mudança na escola necessariamente vai passar pela revisão das políticas
públicas da educação.
Edições Redelp: Ainda
sobre o tema, em que a obra contribui para pensar a educação num contexto
desfavorável, tendo em vista as políticas educacionais do atual governo?
Diego dos Anjos: Pensamos que o sistema de ensino como ele
existe é fruto das políticas educacionais, especialmente a configuração que
assumem no momento atual. Portanto, dentro da sociedade que vivemos, qualquer
mudança na escola necessariamente vai passar pela revisão das políticas
públicas da educação. No trabalho do Gabriel Teles, fica pontuado o avanço da
privatização do ensino, assim como Fernanda Adams critica a formação atual dos
professores, assim, vemos que somente a revisão da finalidade do sistema de
ensino irá trazer avanços; Thelma Bergamo aponta para a disciplina, e Diego dos
Anjos indica a dinâmica alienadora da educação, o que aponta para o formato
atual da organização escolar; já Talita Bordignon relaciona o ensino técnico e
a consolidação da sociedade capitalista no Brasil, ao passo em que Nildo Viana
coloca a questão da dificuldade de apreensão do saber complexo
(científico, filosófico). Portanto,
todos os temas aqui tratados, apontam a necessidade da reformulação das
políticas educacionais, questão necessária mesmo para a manutenção do ensino na
sociedade capitalista.
Edições Redelp: A
educação é vista muitas vezes como a redentora da sociedade. Como o senhor se
coloca diante do “messianismo pedagógico”?
A educação escolar não transforma a sociedade no
sentido revolucionário, ela faz parte das instituições de reprodução e
conservação da nossa sociedade.
Diego dos Anjos: A educação
escolar não transforma a sociedade no sentido revolucionário, ela faz parte das
instituições de reprodução e conservação da nossa sociedade. E a persistência
do "messianismo pedagógico" é prova de que a educação ainda não foi
criticada o suficiente para romper com todas as ilusões que foram criadas sobre
a escola. Nesse sentido, são as ideologias educacionais, no sentido de falsa
consciência, que conseguiram se impor sobre o pensamento crítico em relação à
educação.
Não existe essa história de que a educação é a salvação
do indivíduo, ela é sim, mais trabalho, mais dedicação, mais tempo de vida
consumido.
Edições Redelp: A educação
é sempre tida como emancipadora, como algo benéfico. Isso, no entanto, não é
consenso. Qual seria o significado da educação para a sociedade e para o
indivíduo?
Diego dos Anjos: Vamos
começar a resposta pensando o indivíduo. São vários os casos, e que são
excessivamente divulgados pela imprensa, de pessoas que ascenderam socialmente
através da educação. Muitas pessoas deixaram a pobreza e conseguiram uma
posição melhor na divisão do trabalho devido à educação. Eu venho de família de
trabalhadores, e ao me tornar professor, adquiri condições de vida um pouco
melhores que meus familiares que vieram antes de mim. Só que no meu bairro, sou
a exceção. O esforço para ascender via educação é monumental para o indivíduo,
é uma quantidade de trabalho muito exaustiva. E claro que vários outros
indivíduos que ascenderam socialmente contaram com o apoio de um filantropo, um
apoiador. Então, não existe essa história de que a educação é a salvação do
indivíduo, ela é sim, mais trabalho, mais dedicação, mais tempo de vida
consumido. Se não vivêssemos numa sociedade de classes, a educação seria para o
indivíduo receber as produções da sociedade e se expressar através delas. Mas
atualmente, a escola é somente um longo labirinto onde no final está a promessa
de uma vida melhor, mas geralmente não funciona assim.
Em termos de desenvolvimento capitalista, quanto maior
a instrumentalização do conhecimento, da ciência, da técnica, de força de
trabalho especializada, maior será o desenvolvimento desse país.
Agora pensando a sociedade, vemos
vários países que mudaram de situação, se desenvolvendo através de largo
investimento na educação. Japão, Coreia do Sul, Alemanha, e os pioneiros do
capitalismo, como EUA e Inglaterra, têm investimento bilionário na educação. Em
termos de desenvolvimento capitalista, quanto maior a instrumentalização do
conhecimento, da ciência, da técnica, de força de trabalho especializada, maior
será o desenvolvimento desse país. Entretanto, por uma série de barreiras
internacionais (sendo a questão imperialista a mais forte) a maioria dos países
do mundo não poderão trilhar esse caminho.
Dessa forma, a educação capitalista
é uma promessa de evolução dentro do capitalismo, mas de forma alguma uma
promessa de evolução para a humanidade.
Edições Redelp: Uma das
questões fundamentais da sociedade moderna, desde quando tematizada por Karl
Marx nos Manuscritos de Paris, é a questão da alienação. Muitos afirmam
que a educação é o antídoto para a alienação. Claro que, por detrás disso, há
uma conceituação não-marxista (embora se afirme como tal) de alienação. Tendo
em vista essa confusão, gostaríamos de saber se o senhor considera que existe
alguma relação entre educação e alienação e, se sim, qual seria ela?
A educação alienada é a educação em que o jovem não
tem controle algum sobre a atividade que ele executa, é uma atividade de tormenta,
porque não satisfaz as necessidades legítimas do ser humano de conhecer.
Diego dos Anjos: Com certeza
há um vínculo forte entre educação escolar e alienação. Mas é preciso ter a
clareza do que é alienação no sentido marxista. Para Marx, alienação é o
controle que a classe não-produtora exerce sobre a atividade laboral da classe
produtora e sobre o produto do seu trabalho. É a dominação que existe no
trabalho entre o produtor, a atividade e o seu produto. O produtor perde o
controle sobre o que produz, sobre sua atividade, sobre o produto da sua atividade.
Essa relação de dominação se expande para o conjunto das relações sociais
capitalistas. A educação alienada é a educação em que o jovem não tem controle
algum sobre a atividade que ele executa, é uma atividade de tormenta, porque
não satisfaz as necessidades legítimas do ser humano de conhecer, o estudo se
separa do estudante e faz dele um ser passivo, distinto da atividade que
executa, ao mesmo tempo em que a ela se identifica, posto que o jovem na escola
passa a ser definido pela condição de estudante. Desta forma, o estudo é
alienado, porque é controlado por outro (o professor, a escola, a política
pública, etc.), e tem como objetivo formar o trabalhador alienado.
Edições Redelp: A
educação não é estática, ela muda com as mudanças sociais e culturais. Isso
afeta a relação professor-aluno. Como poderíamos contextualizar a educação na
contemporaneidade?
Diego dos Anjos: A meu ver,
as duas maiores influências da educação na atualidade são as ideologias
neoliberal e pós-estruturalista (também chamada
de pós-modernismo). Essas duas ideologias, que podemos dizer que são irmãs,
disputam a hegemonia dentro da escola. A neoliberal propondo uma educação totalmente
vinculada ao mercado, a pós-estruturalista propondo uma educação voltada para o
indivíduo, para a cultura, para questões raciais, sexuais, e também deixando o
indivíduo “livre” para atuar no “livre” mercado. A mercantilização e o
individualismo são dois processos que se impõe à educação escolar contemporânea.
Por outro lado, surgem movimentos de luta social dos estudantes e dos
professores, mas ocorrem sob as condições desfavoráveis para a radicalização da
luta, o que vem gerando a necessidade de maior dedicação à luta desses dois
grupos, pois quando deixados às lutas espontâneas, estão sucumbindo
rapidamente.
Edições Redelp: O
discurso hegemônico, contemporaneamente, é em torno do indivíduo ou “sujeito”
livre. Ao mesmo tempo, o discurso neoliberal, também hegemônico e associado ao
anterior, aponta para a crítica da intervenção estatal, a intromissão dos
governos na vida individual, bem como contra a burocracia, o controle, e a
favor da liberdade, das iniciativas individuais, entre outras. Por outro lado,
se observa um processo de controle burocrático cada vez mais intenso nas
instituições educacionais e a nível nacional, basta ver o sistema de avaliação
de produção docente, programas de pós-graduação, da atividade laboral docente,
muitas vezes usando as novas tecnologias e internet, entre outros mecanismos. O
senhor considera que existe tal contradição? Como avalia essa contradição de um
discurso subjetivista e neoliberal e uma realidade burocrática-institucional e
controladora?
O discurso do sujeito livre e da diminuição da
intervenção estatal é ilusório, não tem fundamento na realidade.
Diego dos Anjos: Nossa
coletânea não abordou essa contradição de forma específica, mas com base no
conjunto dos textos podemos concluir que nos mínimos detalhes o estado
interfere na educação. Desta forma, o discurso do sujeito livre e da diminuição
da intervenção estatal é ilusório, não tem fundamento na realidade. O sistema
de ensino é uma instituição burocrática, que no seu funcionamento desmonta as
interpretações neoliberais e pós-modernas, ainda que estas sejam hegemônicas no
seu interior, por isso, podemos afirmar que a contradição entre discurso e
realidade predomina, e as críticas pontuais ao ensino capitalista devem ser
realizadas e compreendidas na totalidade, indo do foco na educação à
compreensão do conjunto da sociedade.
Edições Redelp: O trabalho
docente hoje é exercido numa situação de precarização, em muitos casos, bem
como maior controle e menos recursos. E o objetivo da educação, tal como alguns
afirmam, seria o ensino. Nesse contexto, quais seriam as consequências disso
para o ensino? Qual impacto sobre os estudantes? E isso, sem dúvida, tem
diversas facetas, como a questão da qualidade do ensino, de suas
especificidades, entre outras, algumas tratadas no livro.
Diego dos Anjos: Podemos
afirmar que a escola está cindida entre as classes sociais que existem. Para as
classes superiores há uma educação de qualidade de acordo com as melhores
invenções do capitalismo (infraestrutura, EAD, formação docente, etc.). As
classes inferiores não vão ter acesso a essa qualidade de ensino, a não ser com
muita luta, o que tende a alterar o próprio quadro da educação, na medida em
que é na luta aberta entre as classes que os interesses e a consciência
avançam. Assim, uma luta pela educação de qualidade para a classe trabalhadora
no geral, para as classes inferiores e para os setores oprimidos e subordinados
de alguns grupos sociais (negros, mulheres, indígenas, imigrantes, etc.) tende
a trazer novos elementos que não existem atualmente, e por isso só existirá
qualidade de ensino com a intensificação e radicalização das lutas sociais, o
que dependendo do nível pode alterar a própria existência da educação escolar.
Os professores estão na linha de frente desse conflito, mas por estarem presos
às limitações da divisão do trabalho, precisam de apoio dos estudantes, e
sobretudo, da classe trabalhadora, para poderem interferir no quadro atual.
Caso contrário, tal como Maurício Tragtenberg diz, cada professor serve a uma
classe social diferente de acordo com o bairro onde sua escola está localizada,
e servindo precariamente à classe trabalhadora, estes não podem mais que se
sentirem insatisfeitos com seu trabalho.
Existe um discurso conservador que deslegitima as
ciências humanas e todo tipo de reflexão sobre a sociedade. O que é um tremendo
equívoco.
Edições Redelp: O senhor
gostaria de acrescentar alguma coisa?
Diego dos Anjos: A pesquisa
acadêmica sobre a educação é muito importante na sociedade que vivemos. Existe
um discurso conservador que deslegitima as ciências humanas e todo tipo de
reflexão sobre a sociedade. O que é um tremendo equívoco. Quer seja na visão da
conservação da sociedade capitalista, quer seja na perspectiva da transformação
revolucionária da sociedade, a educação e a reflexão social são fundamentais,
prova disso é o quadro de burocratas que atuam nas políticas estatais e que são
todos com formação nas ciências humanas e sociais, e que buscam monopolizar o
conhecimento sobre a sociedade. O que acreditamos é que qualquer que seja o
lado que você escolha, a reflexão sobre a sociedade é uma importante força que
atua na própria sociedade e o estudo sobre a educação está na trincheira dos
conflitos sociais que existem na atualidade.
Sobre o livro:
Organizador: Diego dos Anjos.
Autores: Diego dos Anjos, Fernanda
Adams, Gabriel Teles, Nildo Viana, Talita Bordignon, Thelma Bergamo.
Título: Educação em Foco - Políticas
públicas, formação, disciplina e alienação.
Editora: Edições Redelp.
Ano da Publicação: 2020.
ISBN: 978-65-86705-04-1
SINOPSE:
O objetivo deste livro é apresentar
à comunidade de pesquisadores sobre a educação escolar algumas questões que
geram obstáculos à atuação do professor. Os capítulos deste livro são
resultados de pesquisas acadêmicas, quer seja em programas de pós-graduação,
quer seja como resultado do trabalho docente. A perspectiva crítica adotada
pelos autores buscou superar a idealização do trabalho docente, compreendendo-o
e inserindo-o no contexto social e histórico contemporâneo, a começar pela
institucionalidade e pelas relações de produção capitalista que definem a
dinâmica do trabalho docente. Os temas abordados são a política educacional da
era neoliberal, a formação docente, o poder disciplinar da escola e a alienação
do trabalho docente.
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