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“MARX: DA FUNDAÇÃO DO MARXISMO À ATUALIDADE” - ENTREVISTA COM NILDO VIANA




“MARX: DA FUNDAÇÃO DO MARXISMO À ATUALIDADE”
ENTREVISTA COM NILDO VIANA
EDIÇÕES REDELP


Nildo Viana é sociólogo, filósofo, pesquisador da psicanálise e outras ciências humanas, Professor da Universidade Federal de Goiás; Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília, bem como autor de diversas obras, com destaque para A Consciência da História (2ª edição, Rio de Janeiro: Achiamé, 2008); Universo Psíquico e Reprodução do Capital (São Paulo: Escuta, 2008); Manifesto Autogestionário (3ª edição, Rio de Janeiro: Rizoma, 2019); O Capitalismo na Era da Acumulação Integral (São Paulo: Ideias e Letras, 2009); A Mercantilização das Relações Sociais (Curitiba: Appris, 2018); A Teoria das Classes Sociais em Karl Marx (Lisboa: Chiado, 2018); O Modo de Pensar Burguês (Curitiba: CRV, 2018); Hegemonia Burguesa e Renovações Hegemônicas (Curitiba: CRV, 2019). Nildo Viana acaba de publicar mais um livro, cujo título é “Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, O Manifesto Inaugural do Materialismo Histórico”, cuja primeira parte é uma nova tradução do texto célebre de Marx, com notas informativas e explicativas de Nildo Viana e Rodolfo Mondolfo, respectivamente, e a segunda parte é uma análise desse escrito e sua relação com o materialismo histórico. A Edições Redelp fez uma entrevista com Nildo Viana no sentido de esclarecer aspectos dessa publicação e sobre sua temática.

Edições Redelp: O texto de Marx que o senhor traduziu já possui várias outras traduções. Qual foi sua intenção em publicá-lo mais uma vez? Há alguma razão em especial?

Nildo Viana: Existem várias traduções, mas o processo de tradução é complexo e não é neutro, gerando diferenças entre elas que muitas vezes geram a necessidade de uma nova tradução. Quando se diz “tradução, traição”, se diz uma verdade. As traduções geralmente possuem problemas técnicos e isso varia de acordo com um conjunto de determinações. Os problemas técnicos remetem para o domínio dos idiomas e questões correlatas. Outros problemas comuns são encontrados, tal como no caso em que o tradutor não conhece o pensamento do autor traduzido (o que é mais problemático se for um filósofo, cientista, etc., usando linguagem noosférica, ou seja, científica, filosófica, etc.). Esse foi o caso, por exemplo, de um tradutor que traduziu o conceito marxista de modo de produção como “modelo de produção”, o que é um erro que causa menor estrago do que outros. Porém, existe um problema muito mais grave no processo de tradução que justifica a referência à traição. O tradutor realiza uma interpretação da obra e a traduz a partir dela. A interpretação pode ser equivocada e/ou determinada por tradições interpretativas deformadoras, incompreensão por ser algo distante da consciência e pensamento do tradutor, entre outros problemas. Como já alertava Mounin, a tradução não se separa de uma “visão de mundo”. Se a interpretação é X, o processo de tradução vai gerar opções que reforçam tal interpretação e isso pode ser consciente e intencional por parte do tradutor (e aqui há problema ético expresso na falta de compromisso com a verdade) ou não-consciente e inintencional. Assim, os problemas de tradução são variados e aqui apenas alguns deles foram citados. No caso do breve texto do Marx, esses problemas atuam. Alguns tradutores não possuem um conhecimento mais profundo do seu pensamento e isso facilita equívocos de tradução. Sem dúvida, há também questões específicas de tradutores, o que pode incluir problemas técnicos, desatenção, falta de pesquisa, etc. Quando se faz uma tradução, se realiza opções, como, por exemplo, usar a palavra X ou Y. Uma frase famosa de Marx esclarece isso: “as armas da crítica se tornam força material quando se apoderam das massas”. Essa é a tradução mais comum. O sociólogo francês Yvon Bourdet coloca que “apoderar” ou “apossar” são traduções ruins e, quando eu traduzia, verifiquei alternativas e o que seria mais adequado, usando uma palavra que é sinônimo dessas palavras, mas que traduzia melhor o significado que Marx queria fornecer. Outro problema da tradução de Marx é o seu estilo, recheado de ironias, referências históricas, inversões, etc. O estilo de Marx já foi tema de pesquisa e um tradutor que não o entende realiza, provavelmente, uma tradução problemática. Existem algumas traduções desse texto que são de difícil entendimento, não pela complexidade das afirmações de Marx (que existem e dificultam, especialmente para os iniciantes), mas pela tradução que gera um texto truncado por falta de recursos do tradutor em decifrar e, por conseguinte, traduzir de forma mais clara o significado do escrito de Marx. Em síntese, a tradução apresentada é rigorosa por manter fidelidade ao conteúdo do escrito de Marx, e também no que se refere à forma, mas segue o princípio da prioridade para o conteúdo. É o que eu chamaria de tradução dialética, no sentido que é embasada no método dialético, pois considera a obra como uma totalidade, que possui uma determinação fundamental e precisa ser reconstituída como um todo. Por isso a primazia ao conteúdo, que é onde se encontra a mensagem que o autor queria transmitir, e a preocupação com a forma, pois ambas fazem parte da totalidade, mesmo que se priorize o primeiro. Assim, essa tradução é mais fiel do que as demais e mais clara, sem abolir a riqueza estilística que Marx deu ao texto.

A ideia de “concepções ultrapassadas” é oriunda de uma concepção evolucionista do saber. E entenda-se evolucionismo aqui em sua versão apologética, fundada na apologia da evolução, que caminharia sempre rumo ao progresso. Nessa concepção, a última ideia, por mais ridícula que seja, é a melhor, a verdadeira, e as anteriores se tornam “ultrapassadas”.

Edições Redelp: O tema do livro é o marxismo e o materialismo histórico. Esses temas não estão ultrapassados?

Nildo Viana: O livro tem duas partes. A primeira é o texto do Marx, no qual lança os fundamentos do marxismo e do materialismo histórico (uma parte do marxismo, que é a teoria da história); a segunda é o meu comentário sobre esse texto, buscando esclarecer e contextualizar a obra, mostrando ser a obra inaugural do marxismo. O marxismo (bem como o materialismo histórico) não estão “ultrapassados”. A ideia de “concepções ultrapassadas” é oriunda de uma concepção evolucionista do saber. E entenda-se evolucionismo aqui em sua versão apologética, fundada na apologia da evolução, que caminharia sempre rumo ao progresso. Nessa concepção, a última ideia, por mais ridícula que seja, é a melhor, a verdadeira, e as anteriores se tornam “ultrapassadas”. Porém, o processo histórico de produção e reprodução das ideias é bem mais complexo. Nos anos 1950, as concepções que eram tidas como verdadeiras falavam das “estruturas”, “sistema”, “função” e, a partir dos anos 1980, outras ideias, opostas a estas, se tornaram hegemônicas e as desqualificaram. E a razão disso é que “as ideias dominantes são as ideias da classe dominante” (Marx). Os cientistas, filósofos e outros refletiam sobre a estrutura e o sistema e isso era tido como verdadeiro. Mas hoje isso, ao contrário, é tido como falso pelo pensamento hegemônico. As ideias hegemônicas, hoje, por sua vez, são tão datadas quanto as anteriores e por mais que os cientistas e filósofos as julguem verdadeiras, serão superadas. Não são as ideias verdadeiras que fazem sucesso e sim as ideias ligadas aos interesses de quem domina os meios oligopolistas de comunicação, os aparatos estatais, os meios acadêmicos, etc. Esses interesses mudam e, junto com eles, as ideias hegemônicas. É por isso que é até mesmo infantil pensar que o marxismo está superado, pois, além desse discurso ser antigo (desde os primeiros anos do século passado), esse é o único pensamento que se desliga dos interesses e ideias dominantes e, por conseguinte, não é passageiro como o pensamento hegemônico. Nesse sentido, o marxismo não foi superado e é o pensamento mais atual e que mais ajuda a entender a sociedade e o conjunto dos fenômenos sociais do passado, do presente e as tendências para o futuro.

A acusação de determinismo ao pensamento de Marx só pode ser realizada por quem não entende a dialética.

Edições Redelp: O materialismo histórico, por sua vez, ainda tem algum sentido? Como o determinismo e o economicismo podem explicar uma sociedade global, multicultural, individualista?

Nildo Viana: Isso depende do que se entende por materialismo histórico. O texto traduzido de Marx pouco trata de “economia”. Ele trata mesmo é de luta de classes. Porém, é uma concepção dialética e, por conseguinte, as classes estão presentes, bem como a economia, o “fundamento material”. Porém, nessa obra que inaugura o materialismo histórico, se coloca o elemento fundamental que estará no Manifesto Comunista e nas cartas até o final de sua vida: a luta de classes é o “motor da história”. Logo, a ideia de economicismo em Marx e no materialismo histórico é um equívoco colossal, embora não esteja ausente do pseudomarxismo (intelectuais e militantes que se dizem marxistas mas não o são, tal como o genro de Marx, Paul Lafargue, que escreveu o livro O Determinismo Econômico de Karl Marx...). Sem dúvida, Marx, ao analisar o desenvolvimento histórico, relacionou modo de produção e classes sociais e, posteriormente, ao analisar o modo de produção capitalista, relacionou este e as classes que emergem na sociedade moderna. Classes sociais e modos de produção são inseparáveis a partir do surgimento das sociedades classistas, mas isso não tem a ver com o que os economistas e outros entendem por "economia”. O problema reside em ler Marx de forma verbalista, equívoco já alertado por Antonio Labriola. É preciso entender o pensamento de Marx de acordo com sua linguagem, ou seja, os signos (palavras, conceitos) e significados (seres reais, conteúdo) que ele atribuiu e não que retiramos dos dicionários, manuais de vulgarização ou outros autores e concepções. Não há, também, em Marx, nenhum “determinismo”, bem como não há o seu par antinômico, o indeterminismo. Essa discussão é pré-marxista e reflete as antinomias do pensamento burguês (elemento característico da episteme burguesa, tal como coloquei em O Modo de Pensar Burguês). Marx entende que os fenômenos são constituídos por uma determinação que é fundamental, mas sua manifestação concreta, ou seja, histórica, é marcada por múltiplas determinações. A acusação de determinismo ao pensamento de Marx só pode ser realizada por quem não entende a dialética. Nesse sentido, a única concepção que consegue explicar a sociedade capitalista na sua contemporaneidade é o marxismo, que supera o superficialismo das ideias de “globalização”, “individualismo”, “multiculturalismo”, ideologias e representações que não ultrapassam as aparências. A partir da teoria de Marx é possível compreender a existência concreta e essa só pode ser entendida percebendo a essência que se manifesta através dela. O resto é o reino das aparências. Inclusive a teoria de Marx é fundamental não só para explicar o capitalismo contemporâneo, como também para explicar essas ideologias e representações que invertem a realidade, criando uma percepção ilusória ao invés de explicar o mundo atual. O multiculturalismo, por exemplo, não caiu do céu e nem é produto da evolução da razão. Ele é um produto social e histórico, com todo um processo de produção que remete a interesses, instituições, necessidades do capitalismo. Não poderei discutir isso aqui, mas essas ideologias e representações podem ser explicadas através da análise do atual paradigma hegemônico, o subjetivismo (cf. Hegemonia Burguesa e Renovações Hegemônicas) e de suas determinações.

Quem vê apenas título e autor, se fosse apenas Marx, dificilmente entenderia o significado do conjunto da obra, que se caracteriza pela busca do resgate do caráter revolucionário do texto de Marx.

Edições Redelp: Por qual motivo aparece o nome de Karl Marx e o seu na capa da obra?

Nildo Viana: Essa é uma questão que muitos levantam. O livro é composto por dois textos fundamentais: o de Marx, um texto bem curto, e o meu, também curto, embora equivalente em tamanho ao de Marx. Então são dois textos do mesmo tamanho, logo, o meu texto não é equivalente a um “prefácio”, nem seria um mero apêndice, pois é a metade do livro. Por outro lado, para quem vê apenas título e autor, se fosse apenas Marx, dificilmente entenderia o significado do conjunto da obra, que se caracteriza pela busca do resgate do caráter revolucionário do texto de Marx. Se aparecesse no título apenas o meu texto, a questão da tradução nova e das notas explicativas e informativas da obra de Marx passariam desapercebidas. Então não poderia ser apenas o meu nome e título, com o texto de Marx em apêndice. Para que o leitor pudesse entender melhor a proposta da publicação, seria necessário ambos estarem presentes, inclusive para ter noção do diferencial em relação às outras traduções da obra de Marx. Isso ocorre nesse e em outros casos. A Editora Global publicou uma obra colocando como autores Paul Sweezy e Karl Marx, Contribuição à Crítica da Economia Política, pois havia textos de ambos, bem como a editora Faísca, colocou Gaston Leval e Mikhail Bakunin na obra que tematiza sindicalismo e greve, com um texto de cada um deles. Esses dois exemplos explicam o motivo pelo qual uma obra que possui dois textos e dois autores aparecerem com a dupla autoria. Sem dúvida, isso também maior atrativo para a obra e, logo, tem efeito comercial, mas não foi essa a minha motivação.

Essa é uma sociedade na qual dizer a verdade é motivo para perseguição, falta de espaço, portas fechadas.

Edições Redelp: O que podemos aproveitar dessa obra para nossa vida cotidiana?

Nildo Viana: Todas as obras fundamentais são ricas de ensinamentos para a vida cotidiana, tal como é o caso do breve texto de Marx. Ele traz inúmeras questões e elementos que podemos aproveitar na nossa vida cotidiana. Um desses elementos é o humanismo de Marx, a indignação com a situação da humanidade e o chamado para a luta para superar uma sociedade desumanizada, manifestos no seu texto e que ele tematizará e aprofundará em suas obras posteriores. O humanismo mostra o compromisso de Marx com a libertação humana e isso permite a sua radicalidade. Não é possível produzir uma obra comprometida com a verdade se o autor está comprometido com a realidade presente, com os interesses pessoais (tanto é que muitos querem criticar e desqualificar Marx por ter passado parte de sua vida na miséria, o que, no entanto, só mostra sua coragem, força e compromisso, sendo um mérito – por mais lamentável que seja a situação dele nesse momento – e não demérito). Essa é uma sociedade na qual dizer a verdade é motivo para perseguição, falta de espaço, portas fechadas, etc. e não poderia ser diferente, já que é fundada na exploração e na dominação e, por conseguinte, na hipocrisia, na controle social, na inautenticidade, entre diversos outros problemas. E aqui encontramos algo que podemos aprender com tal obra e aproveitar em nossa cotidianidade: as coisas mais simples e cotidianas revelam aspectos dessa sociedade, dos seus valores, de sua competição, de alienação, de falsidade. Basta ver como supostos militantes ao invés de lutar por uma nova sociedade preferem a competição e a pseudocrítica da vida pessoal (tal como no caso de Marx, mas que é mais comum do que se pensa), ou ativistas de movimentos sociais que falam em nome de um grupo social mas buscam, no fundo (e muitas vezes ganhando financeiramente com isso), vantagens competitivas dentro do capitalismo ao invés da resolução dos problemas que o atinge e seria a razão de ser do movimento social. Nesse caso, seria preciso observar o dito de Marx sobre a educação (“quem educa os educadores?”) e aplicar aos pseudocríticos moralistas: quem moraliza os moralizadores? E aí teríamos que discutir qual é a moral dos críticos e a coerência deles em relação a ela, bem como a importância dela na luta por uma nova sociedade. Grande parte dos ativistas contemporâneos se prendem a picuinhas que apenas revelam uma mentalidade competitiva, mediocridade, interesses pessoais, ignorância, hipocrisia. A psicanálise ajuda a explicar isso: “você fala dos outros, mas está falando de si mesmo”. O que as pseudocríticas revelam é mais quem são os pseudocríticos do que quem foi Marx. Quantos pseudocríticos de Marx dedicaram sua vida (ou seja, quantos dedicaram o mesmo tempo que ele gastou agindo e produzindo intelectualmente, aguentaram as consequências – desde a expulsão de países, perder possibilidade de ser professor para sobreviver – a pobreza, a perda de filhos, o silêncio sobre sua produção intelectual, entre milhares de outros elementos que gerariam páginas para descrever) como ele à luta pela libertação humana? Assim, o escrito revela uma mensagem e esta é para nossa vida cotidiana. Claro que isso depende do leitor, se é apenas uma leitura fria ou por obrigação por ter sido exigida por um professor, a mensagem pode ser incompreendida ou desvalorada, entre outras possibilidades. Além desse elemento, poderíamos citar a questão da necessidade de leituras e aprofundamento teórico, entre milhares de outros aspectos que poderíamos aproveitar na nossa cotidianidade e assim lutar por um mundo radicalmente diferente. Vou encerrar aqui para não delongar demais.

A atual pandemia do coronavírus mostra a divisão de classes e a luta de classes.

Edições Redelp: A ideia fundamental de luta de classes, que nasce explicitamente no pensamento de Marx a partir desse texto ainda é válida? Como ela pode contribuir para explicar a contemporaneidade?

Nildo Viana: Continua válida e fundamental para explicar a realidade e a contemporaneidade, bem como para agirmos e mudarmos o que precisa ser mudado. A importância explicativa está em que não é possível compreender a sociedade capitalista, e sua atual fase, sem remeter à luta de classes, por mais que ela esteja amortecida pela hegemonia, ação estatal, e diversos outros processos. Um exemplo é suficiente e revelador disso: a atual pandemia do coronavírus mostra a divisão de classes e a luta de classes. Por um lado, temos os efeitos negativos do coronavírus para as classes inferiores. Ele surge inicialmente nas classes superiores (que são os que viajam e trazem o vírus para o seu país) e se espalha, posteriormente, para as classes inferiores. Essas, devido suas condições desfavoráveis de vida, sentem com muito mais força esse processo, morrem em maior quantidade, são constrangidos ao trabalho, etc. As classes superiores podem se ausentar do trabalho e outros processos, se proteger mais adequadamente, etc. Mas a luta de classes se manifesta, fundamentalmente, na ação da classe capitalista, pois esta, com o apoio de setores da burocracia e intelectualidade, atacam ainda mais os trabalhadores, seja exigindo o retorno às atividades laborais como se a situação fosse normal, seja passando por cima de direitos, gerando demissões e perdas salariais, etc. Poderíamos multiplicar os exemplos. Ou seja, isso é luta de classes, na qual a classe capitalista, diretamente ou através de seus porta-vozes (como o atual presidente e seu ministro da economia, no caso brasileiro, que são “mais realistas do que o rei”, e que logo serão dispensados pela burguesia), com a manifestação clara da desumanização e do egoísmo (e necessidades) da classe dominante. Não é possível entender isso apelando apenas para a figura do presidente ou do ministro da economia, pois se fossem outros no lugar deles, fariam coisas semelhantes, talvez de forma mais disfarçada e amena, mas fariam. É preciso entender as classes sociais, seus interesses, seus representantes, suas divisões internas, para entender isso e não pensar que basta mudar o presidente para que a realidade se transforme. Para não delongar demais, ficarei apenas nesse exemplo de luta de classes expresso em nossa vida cotidiana.

As notas explicativas do texto de Marx feitas por Mondolfo são contribuições importantes para a compreensão deste escrito.

Edições Redelp: Quem foi Rodolfo Mondolfo, o autor das notas explicativas que aparecem no livro?

Nildo Viana: Infelizmente Rodolfo Mondolfo é pouco conhecido no Brasil. Ele foi um dos grandes intelectuais italianos, filósofo, estudioso do pensamento de Marx. Um dos motivos dele não ser tão conhecido são as afirmações de Gramsci sobre ele*. Mondolfo era muito mais próximo do pensamento de Marx e muito mais refinado filosoficamente que Gramsci. Porém, “a história é a história dos vencedores”. Gramsci era próximo e poderia ser assimilado pelo pseudomarxismo leninista, que se tornou hegemônico no bloco capitalista estatal ("socialismo real”) enquanto que Mondolfo não, pois basta ver sua crítica a Lênin e ser um dos primeiros, no começo da década de 1920, a denominar o regime russo de capitalismo de Estado, para ver que ele não seria uma celebridade do pseudomarxismo. Mondolfo escreveu obras sobre Marx e o Marxismo, tal como Estudos sobre Marx; O Materialismo Histórico em Engels e outros ensaios; e também obras gerais, como livros sobre a filosofia antiga, Sócrates, bolchevismo, entre outras. Eu diria que, ao lado de Antonio Labriola, Mondolfo é um dos principais representantes do marxismo italiano. Nesse sentido, as notas explicativas do texto de Marx feitas por Mondolfo são contribuições importantes para a compreensão deste escrito, por mais que se possa discordar de um ou outro ponto (e colocamos isso em nossas notas presentes no livro). Desta forma, as notas explicativas de Rodolfo Mondolfo são importantes e ajudam na compreensão deste breve e denso escrito de Marx.



SOBRE O LIVRO:

Autores: Karl Marx; Nildo Viana.
Título: Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, O Manifesto Inaugural do Materialismo Histórico.
Editora: Edições Redelp
Ano de publicação: 2020
ISBN: 978-65-86705-03-4

SINOPSE:

A Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, de Karl Marx, é uma obra fundamental, um escrito curto e denso que esboça sinteticamente o materialismo histórico, tal como Nildo Viana explica em seu texto O Manifesto Inaugural do Materialismo Histórico. Marx, abordando o caso alemão, com seu capitalismo incipiente e expressões ideológicas, realiza reflexões sobre várias questões, como a religião, as classes sociais, a revolução. É uma obra indispensável para quem quer compreender o pensamento de Marx, suas origens e seu desenvolvimento posterior. 

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