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O MUNDO MÁGICO DOS SUPER-HERÓIS: ENTREVISTA COM IURI ANDREAS REBLIN

O MUNDO MÁGICO DOS SUPER-HERÓIS


ENTREVISTA COM IURI ANDREAS REBLIN

EDIÇÕES REDELP

 

 

Iuri Andreas Reblin é pesquisador, conferencista na área de Histórias em Quadrinhos, Mídia, Cultura Pop e Religião. É Doutor em Teologia pelo Programa de Pós-Graduação em Teologia da Escola Superior de Teologia (EST), em São Leopoldo, RS. É mestre e bacharel em teologia pela mesma instituição; Realizou estágio e estudos pós-doutorais pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), sob a supervisão do prof. Dr. Waldomiro Vergueiro. É autor do livro O Alienígena e o Menino (Jundiaí: Paco Editorial, 2015) é resultado de sua pesquisa de doutorado, a qual conquistou o Prêmio Capes de Tese na área de Filosofia/Teologia, subcomissão Teologia, em 2013, por sua tese sobre Histórias em Quadrinhos, sendo a primeira (e única) tese premiada sobre o tema. Publicou diversas obras, entre as quais, Para o Alto e Avante: uma análise do universo criativo dos super-heróis (Porto Alegre: Asterisco, 2008); Outros cheiros, outros sabores... O pensamento teológico de Rubem Alves (2ª edição, São Leopoldo: Oikos, 2014); O Planeta Diário: rodas de conversa sobre super-heróis, quadrinhos e teologia (São Leopoldo: EST, 2013).

 

Reblin é também organizador da obra Super-Heróis, Cultura e Sociedade (Goiânia: Edições Redelp, 2020), ao lado de Nildo Viana, e nos concedeu uma entrevista sobre esta obra e questões correlatas.

 

Edições Redelp: Qual é a intenção ou objetivo do senhor ao lançar essa obra na atualidade?

 

Iuri Andreas Reblin: Nildo Viana e eu havíamos lançado essa obra originalmente em 2011. Não demorou muito para o livro se popularizar no meio acadêmico e servir de base teórica para inúmeras pesquisas. Mais que os quadrinhos que os originaram, os super-heróis se tornaram um verdadeiro fenômeno mundial e isso tanto por conta do potencial subjetivo dessas narrativas, gravitando, sobretudo, em torno da ideia de poder, quanto por conta do potencial mercadológico. Ao migrarem para uma das, se não a principal, arte massiva da contemporaneidade, o cinema, os super-heróis conquistaram o mundo. E, em sua esteira, eles acabaram fornecendo um status social para a própria cultura pop. E a particularidade e, por consequência, a potencialidade desse livro reside justamente na reunião de pessoas pesquisadoras do País que têm se ocupado com o estudo de super-heróis a partir das ciências humanas e das ciências sociais aplicadas, e nestas, a partir do eixo elementar “sociedade e cultura”. Como produtos sociais, os super-heróis são expressões da vida humana, de um ponto de vista dela ao menos, e isso abre um potencial de análise muito grande. Nessa direção, nós decidimos relançar o livro, que já estava esgotado, por causa de sua validade acadêmica e social para a leitura, análise e compreensão desse fenômeno.

 

Assim, mesmo que, mercadologicamente, determinadas coisas possam ter um capital monetário parecido (para fins de ilustração, por exemplo, uma pintura de Monet e a primeira edição original de Action Comics), há um capital simbólico entre esses dois itens que tende a considerar a pintura de Monet mais nobre que a revista de estreia do Superman.

 

Edições Redelp: O tema das histórias em quadrinhos sempre foi marginal e considerado “pouco sério”. Porém, parece que os estudos e as pesquisas a seu respeito vêm aumentando quantitativamente. Como podemos explicar esse processo de marginalização e questionamento, por um lado, e o crescimento de pesquisas mais recentes sobre esse tema por outro?

 

Iuri Andreas Reblin: Pierre Bourdieu, sociólogo francês, já sugeriu que é a dinâmica dos agentes de um determinado campo e o fluxo simbólico que transita nesse campo nas tensões entre esses agentes que define a relevância de determinados temas. Os quadrinhos começaram como temas pouco sérios por estarem ligados ao cotidiano e por estarem ligados a uma produção industrial, pensando aqui em linhas gerais. E, claro, apesar de inúmeras gerações já terem passado, a percepção epistemológica sobre as coisas segue a passos mais lentos. Assim, mesmo que a sociedade tenha mudado durante todo um século, por exemplo, ainda há resquícios, em diversas áreas do saber, da divisão hierárquica da cultura, da arte, isto é, de se distinguir o que é um produto nobre e o que seria um produto menos nobre sob seu coeficiente de reprodutibilidade. Assim, mesmo que, mercadologicamente, determinadas coisas possam ter um capital monetário parecido (para fins de ilustração, por exemplo, uma pintura de Monet e a primeira edição original de Action Comics), há um capital simbólico entre esses dois itens que tende a considerar a pintura de Monet mais nobre que a revista de estreia do Superman. Não estou colocando isso em discussão aqui, apenas quero salientar que a percepção sobre os quadrinhos em sua qualidade de produto cultural, expressão da vida humana e, nessa direção, como potencial de análise, tem se alterado significativamente nos últimos anos. E isso faz com que as pesquisas sobre quadrinhos têm crescido e sido permitidas na academia. Afinal, a academia existe para servir a sociedade, isto é, o conhecimento gestado na academia só tem sua razão de ser se ele contribui, no final de tudo, para a qualidade da vida humana em algum grau. E se a sociedade agora “só” fala sobre cultura pop, super-heróis, quadrinhos, bem, é o momento de a academia também lançar seu olhar sobre esse fenômeno.

 

Edições Redelp: Os Super-Heróis são seres fantásticos e produtos de uma imaginação criadora bem distante da realidade. Qual relação tais seres fantásticos podem ter com a cultura e a sociedade?

 

Iuri Andreas Reblin: Na verdade, todo processo criativo parte justamente da realidade, de experiências reais e concretas para acontecer. A ficção surge, entre outras coisas, como um exercício de terceirização e transposição de nossos problemas, a fim de que possamos pensar melhor sobre eles. Mas não apenas problemas. Todo ato de contar histórias é uma tentativa contínua de preservação da memória, de manutenção de nossa identidade. E isso tudo parte de uma realidade real e concreta. Isso não significa que, se estamos falando sobre alienígenas, sobre viagens no tempo, capacitores de fluxo, kryptonianos, nós estamos efetivamente falando sobre tais coisas. No fundo, no fundo, estamos falando sobre a jornada humana, as histórias dos super-heróis, como sugiro no meu texto no livro, são uma paródia sobre nossa própria vida e, nessa direção, sobre a cultura e a sociedade em que vivemos.

 

"Os Super-Heróis se tornaram um
verdadeiro fenômeno mundial".
(Iuri Reblin).


Edições Redelp: Os Super-Heróis são seres poderosos. O seu poder pode vir da tecnologia, da magia, de forças desconhecidas. A fonte do poder de alguns super-heróis é o sobrenatural, a magia, bem como podem emergir também da mitologia (Mulher-Maravilha, Thor, Hércules, Mercúrio, etc.). Qual é a relação dos super-heróis com o sobrenatural?

 

Iuri Andreas Reblin: Em um sentido restrito, todos os super-heróis são, no fundo, sobrenaturais, porque todos os seus poderes são, no fundo, mágicos, visto que a tecnologia que embasa a história de origem de certos super-heróis não existe no mundo real. Em outras palavras, por mais que haja explicações científicas nas histórias de super-heróis e, algumas delas, com alguma referência nas tecnologias e conhecimentos que dispomos atualmente, no fundo, é tudo mágico e “não natural”, porque uma aranha radioativa picar Peter Parker e este adquirir as características de um aracnídeo só existe no reino da magia. Mas o interessante nisso tudo é que ainda assim é uma metáfora de potência que está aí implícita. Nós não nos contentamos com os limites que nosso corpo nos impõe e por isso, como diria Rubem Alves, empreendemos continuamente um esforço descomunal para antropologizar o mundo.

 

A aproximação entre super-heróis e teologia reside, entre outras coisas, no fato de que essas histórias abordam temas que são caros dentro do espectro da teologia: a salvação, a esperança, a morte, etc.

 

Edições Redelp: Existe algum vínculo entre super-heróis e teologia?

 

Iuri Andreas Reblin: Se entendemos a teologia como um movimento inerente ao ser humano, sim. Isso porque, em uma direção, a teologia é um exercício de compreensão de estar no mundo a partir da percepção, ou, para utilizar um termo teológico cristão, da revelação, de uma força exterior que age no mundo e que se faz história no mundo. Assim como as pessoas constroem visões sobre o ser humano, sobre a vida humana, sobre a sociedade, elas também elaboram teologias. A aproximação entre super-heróis e teologia reside, entre outras coisas, no fato de que essas histórias abordam temas que são caros dentro do espectro da teologia: a salvação, a esperança, a morte, etc. Em outra direção, como área do saber, os super-heróis se tornam um objeto de interesse da teologia, por causa das influências, das afluências, das confluências das narrativas dos super-heróis com a experiência religiosa.

 

Os super-heróis adquiriram muito mais visibilidade por meio das adaptações cinematográficas. Se antes a discussão entre Marvel e DC ficava muito restrita aos fandoms, hoje muito mais pessoas sabem que Homem-Aranha e Super-Homem não habitam no mesmo universo ficcional.

 

Edições Redelp: Os Super-Heróis foram beneficiados com as adaptações cinematográficas?

 

Iuri Andreas Reblin: Eu diria que, em primeira instância, a indústria foi beneficiada com as adaptações cinematográficas. Em segunda instância, claro, os super-heróis adquiriram muito mais visibilidade por meio das adaptações cinematográficas. Se antes a discussão entre Marvel e DC ficava muito restrita aos fandoms, hoje muito mais pessoas sabem que Homem-Aranha e Super-Homem não habitam no mesmo universo ficcional. Enfim, o poder massivo que o cinema possui para alcançar audiências possibilita a popularização de muitos fenômenos e, nessa direção, sim, os super-heróis alcançaram o status no imaginário social coletivo graças às adaptações cinematográficas.

 

Edições Redelp: As adaptações cinematográficas promoveram alterações no universo ficcional dos super-heróis? As histórias em quadrinhos preexistentes receberam novas versões para o cinema e existe um efeito retroativo? Nos desenhos animados de super-heróis essa influência é perceptível, por exemplo, na reprodução dos personagens, que passam a ser parecidos com os atores e atrizes que os encarnaram no cinema.

 

Iuri Andreas Reblin: Ao trazer o conceito de narrativas transmídias, Henry Jenkins explora justamente essas interferências, porque estamos falando, no fundo, de um universo ficcional que se constitui para além da mídia que o originou. Umberto Eco também explora isso ao indicar que personagens que transitam entre textos adquirem uma espécie de cidadania no mundo real, isto é, eles acabam integrando o imaginário coletivo. Essa ampliação do universo ficcional acontece desde a época da transposição ao rádio, ao cinema seriado de matinê. Há personagens que foram criados para o cinema e que acabam sendo incorporados aos quadrinhos. O visual corrente da Supergirl, a estrutura geral do enredo, cidade, personagens, por exemplo, nos quadrinhos, é inspirada na série de TV. Esse recurso de tornar o universo ficcional mais orgânico é utilizado para que fãs que consomem uma mídia possam consumir outras também. E, claro, se é um elemento que se torna interessante para a mitologia do personagem (como foi, por exemplo, o caso da kryptonita, que surgiu no programa de rádio), ele acaba também acrescentando como elemento narrativo às histórias.

 

Não sei se as revistas em quadrinhos sobreviverão, mas as histórias em quadrinhos, sim. Isso porque as histórias em quadrinhos são, como já expressei em outras ocasiões, uma forma de linguagem, uma expressão artística, um produto cultural. Então, as histórias em quadrinhos continuarão existindo.

 

Edições Redelp: Quais são as perspectivas para as revistas em quadrinhos com o desenvolvimento tecnológico, internet, ebook, e outros processos semelhantes? As revistas em quadrinhos sobreviverão?

 

Iuri Andreas Reblin: Não sei se as revistas em quadrinhos sobreviverão, mas as histórias em quadrinhos, sim. Isso porque as histórias em quadrinhos são, como já expressei em outras ocasiões, uma forma de linguagem, uma expressão artística, um produto cultural. Então, as histórias em quadrinhos continuarão existindo. Agora o suporte no qual essas histórias serão contadas é bem provável que mude. Afinal, o mundo hoje é todo mediado tecnologicamente e as novas gerações já nasceram nesse mundo com mediação. Se observarmos quem compra quadrinhos na banca ou nas livrarias e quem coleciona quadrinhos, podemos perceber uma predominância de gerações “pré-internet”. Entretanto, as novas gerações já leem quadrinhos nos tablets, nos celulares ou ainda usando outras tecnologias. E muitas dessas pessoas até preferem isso. Então, o pano de fundo dessa pergunta é um conflito tecnológico que é expressão, na verdade, de um conflito geracional.

 


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