A ATUALIDADE DAS CLASSES SOCIAIS:
ENTREVISTA COM LUCAS MAIA
Edições Redelp
O problema é que tais ideologias expulsaram o tema das classes
socais pelas portas dos fundos, mas a realidade o jogou novamente pelas portas
da frente. Trata-se de um problema inescapável dentro de uma sociedade de
classes.
Edições Redelp: O que motivou a escrever essa obra?
Lucas Maia: há basicamente duas motivações
principais. A primeira é derivada da necessidade de autoformação. Aproveitei a
ocasião de tematizar as classes sociais em O Capital para realizar um
estudo aprofundado desta obra de Marx (e não somente o Livro I, mas a
totalidade da obra). Foi o que realizei. Assim, este objetivo foi cumprido. Um
segundo aspecto que me motivou a escrever este livro foi exatamente o
conhecimento que eu tinha de outras interpretações da teoria de Marx sobre as
classes, as quais eu achava por demais reducionistas e na maioria das vezes
equivocadas. Uma das principais deformações que identifiquei a este respeito
foi uma tese amplamente divulgada de que em O Capital Marx aborda
somente duas classes: classe capitalista e classe operária. Das leituras
prévias que tinha a respeito da obra, sabia que isto era falso. Assim, me
propus fazer uma leitura sistemática do conjunto de O Capital
identificando o modo como a questão das classes sociais é ali apresentado. A
conclusão foi, portanto, de que minha hipótese estava correta. As ideologias
que reduzem a interpretação de Marx sobre as classes em O Capital estão
completamente equivocadas. De fato, a concepção de Marx a este respeito é
muito, mas muito mais complexa do que geralmente se diz. E espero que o livro
que acabo de publicar tenha provado isto cabalmente.
O Capital será sempre uma pedra no sapato dos ideólogos
burgueses. Uma obra cuja superação só se concretizará quando o próprio modo de
produção capitalista for ele mesmo abolido.
Edições Redelp: Alguns autores afirmam que em O
Capital, Marx apresenta apenas duas classes sociais, mas em outras, as
chamadas “obras históricas”, ele elenca até 13 classes sociais. Outros autores
discordam disso. Esse é o tema do seu livro e por isso foi necessário,
explicita ou implicitamente, se posicionar diante desse debate. Qual é a sua
posição a respeito do número de classes sociais que aparecem em O Capital.
Lucas Maia: Como afirmei anteriormente, a interpretação de Marx sobre as classes sociais é bem mais complexa. E é também completamente equivocado realizar, como muitos fazem, inclusive para justificar sua interpretação reducionista de O Capital, separar a produção de Marx em “obras históricas”, “econômicas”, “políticas”, “filosóficas” etc. Assim, com base nesta má interpretação do pensamento de Marx, afirma-se que em O Capital Marx analisa a “estrutura” da sociedade capitalista e ali ele encontra então a classe capitalista e a classe operária. Nas obras históricas e políticas, ele analisaria “conjunturas” e aí seria possível e também necessário identificar outras classes sociais. Esta é uma interpretação equivocada de Marx, pois nas ditas obras “históricas” ou “políticas”, a discussão sobre o modo de produção não desaparece, pelo contrário, é pressuposto. Da mesma forma, também na análise do modo de produção, ou seja, em O Capital, várias outras classes vão sendo alinhadas à medida que o argumento de Marx vai se consolidando. Certamente que burguesia e proletariado se destacam no conjunto da análise, pois o tema de O Capital é o modo de produção capitalista (e não a sociedade capitalista). Para desvendar a essência deste modo de produção, ou seja, o processo de produção de mais-valor, é necessário identificar, analisar, compreender as relações recíprocas entre estas duas classes. Pois é desta relação que o mais-valor emerge. Contudo, à medida que Marx, em acordo com o método dialético, vai realizando sucessivas concreções, as outras classes vão se apresentando. Por isto a necessidade de se analisá-las. Aparecem então os latifundiários, os manangers ou gerentes (a burocracia das empresas capitalistas), os artesãos, camponeses, a classes serviçal (trabalhadores domésticos), trabalhadores do comércio, classes de modos de produção pretéritos (escravos, senhores de escravos, servos, senhores feudais) etc. Uma atenta leitura de O Capital tem de identificar estas classes. Mas mais do que identificar tais classes, Marx realiza também uma discussão sobre fracções de classes, como processos derivados da própria divisão social trabalho, processo este que está na base do surgimento de todas as classes. Assim, a classe capitalista se divide em algumas frações: burguesia industrial, banqueiros, comerciantes etc. os proletários também se dividem: trabalhadores da indústria, das minas, operários agrícolas, da construção civil etc. Tendo isto em vista, esforço-me por demonstrar como todas estas classes estão envolvidas na constituição e desenvolvimento do modo de produção capitalista. Marx, portanto, é um pensador complexo e reduzi-lo significa unicamente deformar seu pensamento. Além de ser complexo, é também um pensador radical e a radicalidade de sua discussão sobre as classes sociais em O Capital (e também em outras obras) aponta para necessidade/possiblidade de abolição de todas as classes. Eis uma importante motivação de ideólogos em tornar o pensamento de Marx uma mera caricatura. Ao se fazer isto, torna-o algo simples de ser criticado e descartado. Contudo, o acerto das análises de Marx sempre se afirma no longo prazo e as ideologias são superadas. O pensamento de Marx, porém, permanece, é revigorado, revitalizado, atualizado, fortalecido. O Capital será sempre uma pedra no sapato dos ideólogos burgueses. Uma obra cuja superação só se concretizará quando o próprio modo de produção capitalista for ele mesmo abolido.
"Intelectualmente, hoje, sou mais um apátrida do que um nacionalista da Geografia. Por isto, olho esta ciência particular tanto de dentro, quanto de fora".
Edições Redelp: Você atribuiria a qual motivo essa interpretação da existência de apenas duas classes em O Capital?
Lucas Maia: Creio que são várias as determinações
que explicam isto. Uma que, imediatamente se apresenta, é o processo de má
leitura e leitura reducionista da obra. Assim, geralmente este mau intérprete
se limita ao estudo do livro 1 de O
Capital (e pior ainda, de fragmentos deste livro), onde a relação entre
classe capitalista e classe operária é analisada extensivamente e
profundamente. Assim, o leitor mais superficial acaba por se convencer de que
Marx só identifica estas duas classes. Contudo, isto é equivocado, pois já no
Livro I, ele discute outras classes além destas duas. Um outro elemento que se
poderia citar é a própria complexidade da obra, sua extensão e os esforços que
se exigem do leitor que se coloca a interpretá-lo. Aí, alguns intérpretes
também se perdem e não conseguem apreender toda a complexidade da obra. Certamente,
estas explicações não podem convencer, pois há leitores de Marx de considerável
gabarito intelectual e que reproduzem equívocos como este. Assim, creio que a
determinação fundamental para uma leitura tão errada de O Capital alicerça-se naquilo que apresentei antes: tornar O Capital (e toda a obra de Marx) uma
mera caricatura. Criticar algo que é simplificado é mais fácil do que criticar
algo complexo. Se se interpreta corretamente o pensamento de Marx, tem-se que
reconhecer sua complexidade e profundidade. Se se transforma sua obra numa mera
caricatura, fica mais fácil a crítica. Assim, é possível descartar O Capital porque ele não analisa a
sociedade capitalista (e suas classes sociais) em sua inteireza. Nesta
caricatura, O Capital não é um texto
que dá conta da realidade, assim, tem que ser descartado. E neste particular, a
coisa é ainda mais engraçada, pois Weber, Durkheim, Freud etc. tem que ser
atualizados, melhorados, enriquecidos etc. Já Marx, este tem que ser
descartado. Isto revela a essência do processo de deformação (e simplificação
reducionista) e, portanto, pseudocrítica da obra de Marx.
Edições Redelp: Olhando sua biografia, observamos que sua formação é
eminentemente em Geografia, com um pós-Doutorado mais recente em Sociologia.
Qual é a importância da temática das classes sociais na Geografia? Existem
reflexões geográficas sobre classes sociais?
Lucas Maia:
Para utilizar uma linguagem cara à Geografia, meu território de origem é a
ciência geográfica, além de exercer minha atividade profissional nesta área.
Portanto, sou um geógrafo. Também, em minha caminhada, tive contato com outras
áreas, outros conhecimentos e acabei gostando de ir além das fronteiras.
Intelectualmente, hoje, sou mais um apátrida do que um nacionalista da
Geografia. Por isto, olho esta ciência particular tanto de dentro, quanto de
fora. Gosto deste olhar em perspectiva. Diante disto, como foco analítico, as
classes sociais são, na Geografia, uma espécie de “tema transversal”. Em si
mesmas, por si mesmas, as classes não se tornam “objeto de estudo” da Geografia.
Contudo, ao desenvolverem suas pesquisas, os geógrafos se utilizam de uma ou
outra concepção de classe social em seus trabalhos, pois, como disse, as
classes são uma questão inescapável. Pode-se até querer expulsá-la da sala de
estar, mas ela retorna sempre e sempre. Deste modo, alguns autores, na
Geografia, ao se utilizar de uma ou outra concepção de classe social,
interpretam o fenômeno em análise (a partir da espacialidade deste fenômeno),
identificando ali como as classes existem, se comportam, se relacionam etc. As
classes, pois, estão presentes nas análises realizadas por inúmeros geógrafos,
mas desconheço uma interpretação particular, de algum geógrafo, sobre este tema,
que tenha levado a desenvolvimentos particulares sobre esta questão. Onde o
conceito de classes, luta de classes, transformação social etc. ficou mais
evidente, dentro da Geografia, foi na corrente conhecida como Geografia Crítica
ou Geografia Radical, como é conhecida nos EUA, sobretudo após a década de
1970, (que recebeu influências do
marxismo, mas de outras formas de pensamento também, bolchevismo, anarquismo,
estruturalismo-“marxista” etc.). Entretanto, escapa-me à memória (e aqui posso
estar sendo injusto), autores que realizaram uma discussão particular,
independente sobre as classes sociais no capitalismo. Pelo que conheço, é mais
comum tomar empréstimo discussões de outros lugares, como alguns elementos da
sociologia, do marxismo, do bolchevismo etc. E com estas discussões em mãos,
realiza-se análises de determinados fenômenos, sempre compreendendo como tais
fenômenos e as classes se realizam em sua dinâmica espacial. E como ocorreu em
todos os campos do conhecimento, os vários discursos que afirmavam o fim das
classes, da luta de classes, do movimento operário etc. também se desenvolveram
na Geografia. A ideia de novos sujeitos (ou seja, os movimentos sociais) que
vinham em substituição ao velho movimento operário também ocorreu na Ciência
Geográfica. Sob o nome de Geografia Cultural, esta tendência se tornou presente
na geografia brasileira, em certa medida contemporânea da Geografia Crítica,
mas se tornando mais importante a partir de finais da década de 1990. Eu diria,
então, para concluir, que as classes sociais estão sempre presentes nas
pesquisas geográficas (de maneira intencional ou inintencional). Como objeto
particular de estudo, desenvolvendo concepções próprias, eu desconheço
pesquisas neste sentido. A chamada Geografia Crítica (mas já no final do século
19 e início do 20, o pensamento de Reclus e Kropotkin) tematizam de modo mais
direto o problema da dimensão espacial da sociedade e sua relação com as
classes sociais. Após a hegemonia do pós-estruturalismo, entra também na
Geografia estas ideologias que questionam a própria existência das classes e
das lutas de classes.
Marx é sem dúvida o mais profundo intérprete da
sociedade moderna, ou seja, da sociedade capitalista. Suas teses são enraizadas
tão profundamente nos elementos mais dramáticos desta sociedade, que a cada
mínimo abalo, tanto detratores quanto defensores de Marx se colocam no palco
político advogando a atualidade ou descartabilidade de suas concepções.
Edições Redelp: Marx é um autor que muitos dizem estar
superado, enquanto que outros defendem a sua atualidade e alguns, até mesmo,
afirmam ser o pensador mais importante e que fornece as bases intelectuais para
compreender a sociedade contemporânea. A sua obra é sobre a concepção de
classes sociais em O Capital, obra de
Karl Marx. Como você pensa a posição de Marx na cultura contemporânea?
Lucas Maia: Marx é sem dúvida o mais profundo
intérprete da sociedade moderna, ou seja, da sociedade capitalista. Suas teses
são enraizadas tão profundamente nos elementos mais dramáticos desta sociedade,
que a cada mínimo abalo, tanto detratores quanto defensores de Marx se colocam
no palco político advogando a atualidade ou descartabilidade de suas
concepções. E o que explica isto? Não pode ser outra coisa senão a própria luta
de classes. Certamente, é a luta de classes cotidiana (e radicalizada) o
elemento fundamental do modo de produção capitalista. É a luta em torno do
processo de extração de mais-valor a essência da sociedade moderna, aquilo que
a individualiza em relação a todas as demais. Portanto, a determinação
fundamental da luta de classes está aí. Contudo, nem as classes se restringem
ao modo de produção, nem muito menos a luta de classe se limita ao processo
produtivo. Ela se estende para toda a sociedade, inclusive e fundamentalmente à
cultura. É por isto que a disputa em torno do pensamento revolucionário de Marx
não é algo gratuito ou de menor importância. É parte da luta de classes, é a
luta de classes manifestada na cultura. Marx tinha consciência disto e dedicou
a maior parte de sua vida à elaboração de uma teoria, que segundo cartas que
ele enviava a Engels, “é o nosso projeto comum”. Este projeto comum era a
emancipação humana. E tal emancipação ocorre via revolução proletária. Veja,
portanto, que sua produção intelectual não está acima da luta de classes, é
parte dela e ele queria contribuir com o movimento revolucionário ao elaborar
suas teses. O Capital é isto, a crítica revolucionária do modo de
produção capitalista. Nesta obra, está dissecado o processo de exploração que
constitui o mundo moderno. E esta conclusão de Marx é insuperável, prova disto
é que ele é sempre requisitado, seja por detratores, deformadores, continuadores etc. Ou seja, o que explica a
luta em torno das teses de Marx é a luta de classes.
Edições Redelp: O seu foco é as classes sociais em O
Capital. Existem outras obras de Marx em que ele discute classes sociais?
Lucas Maia: Sim, há mais obras. Centrei minha
atenção em O Capital, exatamente porque é uma das obras mais
vilipendiadas no que respeita a esta questão. Contudo, teses desenvolvidas em O
Capital já estão presentes em obras muito anteriores. Já bem cedo em seu
horizonte intelectual, esta questão se coloca para ele. Por exemplo, na Crítica
da Filosofia do Direito de Hegel (publicada somente no século 20), bem como
na Introdução a esta crítica (já publicada em 1843), Marx discute
concretamente o problema das classes sociais, bem como a que questão da
revolução proletária. Basta ver a discussão que ele apresenta sobre a
burocracia estatal (no texto publicado postumamente) ou da análise que ele
desenvolve sobre o “ser do proletariado”, tal como se vê na Introdução.
Mas, por exemplo, em a Ideologia Alemã, ele e Engels realizam toda uma
discussão sobre o que é classe social, sobre a divisão social do trabalho, que
é a base sobre a qual as classes se formam, sobre a ideia de que as classes,
produto da divisão do trabalho, desenvolvem modo de vida, formas de consciência
específicas etc. Assim, desde esta época, pode-se dizer que os elementos
fundamentais para uma teoria das classes sociais já estavam elaborados, embora,
diríamos, a síntese geral ainda não estive completa. E Marx não conseguiu nunca
realizá-la. Prova disto é que há um capítulo de O Capital, iniciado, mas
somente com três páginas, com o seguinte título: “As Classes”. Sendo O
Capital uma obra inacabada, este é um capítulo que lamentavelmente não
chegou a ser concluído. Mas além destas discussões mais teóricas sobre as
classes, há também inúmeros trabalhos do autor abordando a dinâmica da luta de
classes em momentos históricos específicos. Assim, seus textos sobre a
revolução de 1848 (A Luta de Classes na França), sua análise sobre a
Comuna de Paris (A Guerra Civil na França), textos nos quais ele aborda
as classes em seus relacionamentos recíprocos, demonstrando a validade da tese
já presente no Manifesto Comunista de 1848, ou seja, de que a história
das sociedades tem sido a história da luta de classes. Ou também, textos, como,
por exemplo, O 18 Brumário, no qual demonstra que a explicação para um
indivíduo tão medíocre como Luiz Napoleão III chegar ao poder é a própria
dinâmica concreta da relação e luta de classes estabelecida em Franca à época.
Assim, isto demonstra que a concepção de Marx sobre as classes é ampla,
complexa, perpassa vários momentos de sua produção e, no final das contas, é a
determinação fundamental de seu pensamento. A radicalidade da teoria de Marx
encontra seu baluarte exatamente na ação concreta da classe operária. É no
movimento político desta classe, que encontramos, tal como afirmou um eminente
marxista da primeira metade do século 20, Karl Korsch, o “marxismo é a
expressão teórica do movimento revolucionário do proletariado”. Ou seja, um
desenvolvimento teórico da tese já exposta por Marx nos Preâmbulos dos
Estatutos Provisórios da Associação Internacional do Trabalhadores: “A
emancipação da classe operária deve ser obra da própria classe operária”. A
expressão teórica deste processo de emancipação é o marxismo.
Marx, portanto, é um pensador complexo e reduzi-lo
significa unicamente deformar seu pensamento. Além de ser complexo, é também um
pensador radical e a radicalidade de sua discussão sobre as classes sociais em O
Capital (e também em outras obras) aponta para necessidade/possiblidade de
abolição de todas as classes. Eis uma importante motivação de ideólogos em
tornar o pensamento de Marx uma mera caricatura. Ao se fazer isto, torna-o algo
simples de ser criticado e descartado. Contudo, o acerto das análises de Marx
sempre se afirma no longo prazo e as ideologias são superadas.
Edições Redelp: Além de Marx, quais são os autores
que discutem classes sociais seguindo a sua perspectiva?
Lucas Maia: Sem dúvidas há, mas infelizmente são
minoritários e marginalizados, tal como é o próprio pensamento de Marx (o
autêntico e não o deformado e caricaturado). As Classes Sociais em O Capital
foi publicado, pela primeira vez, em 2011. No ano de 2010, cursei a disciplina
“Sociologia das Classes Sociais”, ministrada por Nildo Viana, no Programa de
Pós-Graduação em Sociologia da UFG. Com base nas discussões e no encadeamento
das reflexões durante as aulas, veio-me a ideia de realizar esta pesquisa.
Poderíamos dizer, portanto, que a abordagem “metodológica” no estudo da obra de
Marx foi adquirida durante esta disciplina. Só mais tarde descobri, pois um ano
após eu publicar meu texto, Nildo Viana publicou seu livro A Teoria das
Classes Sociais em Karl Marx. As reflexões das aulas já eram produto deste
livro, que já estava pronto, mas não publicado. Como se pode ver, um autor que
muito influenciou minha abordagem foi Nildo Viana. Suas teses são, na verdade,
a base de nossa argumentação. Ressalvando-se, obviamente, que a
responsabilidade pela pesquisa e escrita de As Classes Sociais em O Capital
é inteiramente minha. Contudo, posteriormente, outros trabalhos vieram a lume e
expressam esta mesma discussão, mas abordando outros aspectos e focalizando
algumas classes em específico. Por exemplo, as pesquisas de Lisandro Braga
sobre o lumpemproletariado, de Edmilson Marques e Erisvaldo Souza sobre
intelectualidade, de Rubens Vinícius sobre campesinato (mesmo que de forma indireta,
tendo em vista que sua pesquisa destinava-se ao estudo do MST), de vários
destes autores já citados sobre burocracia, de José Santana da Silva sobre
burocracia sindical etc. Isto insinua que existe um conjunto de autores que vem
abordando a questão das classes partindo da perspectiva que desenvolvi em meu
livro. Certamente fui injusto aqui com relação aos nomes, pois há mais.
Contudo, estes citados são suficientes para demonstrar que não caminho sozinho
no que toca a esta questão. Essas são as pesquisas mais contemporâneas. Há,
contudo, alguns autores, continuadores do pensamento de Marx, que tematizaram
algumas classes sociais. Por exemplo, o Comunismo de Conselhos (Pannekoek, Rühle,
Mattick, Korsch etc.), da segunda metade da década de 1920 em diante vão
realizar importantes pesquisas sobre a burocracia, tematizando sobretudo a
burocracia partidária e sindical (frações de classe que Marx não analisa, pois
ainda eram muito embrionárias em seu tempo). Também, a partir da década de 1960
em diante, a constituição do marxismo autogestionário dá importantes
contribuições ao estudo das classes sociais, novamente dando destaque para a
questão da burocracia. Apesar de haver, por exemplo em Alain Guillerm e Yvon
Bourdet, uma incompreensão do conceito de classe operária. No caso brasileiro,
as pesquisas de Maurício Tragtenberg a partir da década de 1970 traz alguns
aportes ao estudo do fenômeno burocrático (apesar de a influência de Weber
prejudicar algumas de suas conclusões). E como já apontei antes, as
contribuições contemporâneas de vários autores, sobretudo a partir das
conclusões de Nildo Viana em seu estudo sobre a teoria de Marx a respeito das
classes sociais. Assim, dirá que este As Classes Sociais em O Capital, é
mais uma contribuição, dentro desta tradição de autores, a desvendar o fenômeno
das classes sociais no capitalismo.
Edições Redelp: E quais seriam os autores que
disputariam com Marx no sentido de apresentar outras concepções concorrentes de
classes sociais?
Lucas Maia: As classes sociais
e suas relações (de aliança, conflito) são uma realidade concreta. Elas existem
independentemente de a consciência tê-la ou não identificado e compreendido. É
por isto que ao longo da história, todos os grandes pensadores se debruçaram
sobre este problema. Por exemplo, Aristóteles realiza toda uma discussão
filosófica sobre as classes e seu lugar na sociedade. Sua abordagem é
problemática, pois ele naturalizava sua sociedade e, portanto, as relações de
escravidão e as classes que compunham aquela sociedade. Isto se reproduz no
feudalismo também, e a discussão sobre as três classes (clero, nobreza, servos)
expressa isto. Da mesma forma, também esta concepção de classes é estática e
naturaliza a existência delas. Disto podemos facilmente inferir que a percepção
das classes socais não é um fenômeno fácil de ser compreendido. Hoje
consideramos absurda a máxima de Aristóteles segundo a qual a escravidão é
natural, ou de que uns nascem para rezar, outros para lutar, outros para trabalhar,
tal como era a máxima no feudalismo. Os pensadores que se dedicam ao estudo do
fenômeno das classes sociais (ou qualquer outro problema social), ao
naturalizarem a sociedade em que vivem, naturalizam também as classes e
relações de classe que constituem tal sociedade. Isto os impede de compreender
corretamente o fenômeno. E os intelectuais, sob o modo de produção capitalista
(economistas, sociólogos etc.), fazem o mesmo que fez Aristóteles, naturalizam
as relações de classe de sua sociedade. Esta é a base da superioridade de todo
o pensamento de Marx em relação aos ideólogos burgueses. Marx concebe os
processos sociais como sendo historicamente determinados, socialmente
constituídos. E todos são passíveis de mudança. É por isto que Marx pode vislumbrar
uma sociedade sem classes, enquanto os economistas, com quem ele dialogava,
eram incapazes disto. Assim, como as classes sociais são um fenômeno real,
concreto, ao ser expressa na consciência, pode sê-lo de modo correto, como no
caso de Marx e de alguns marxistas posteriores, ou incorreto, como é comum em
todas as ideologias. Por exemplo, a distinção da sociedade em classe alta,
média e baixa ou então as classificações alfabéticas: classes A, B, C, D etc.
São todas classificações arbitrárias e podem mudar de acordo os critérios do
pesquisador em questão. Embora estas denominações sejam hegemônicas, são as
mais precárias de todas. No final das contas, não expressam classe social
nenhuma. É uma mera classificação e geralmente são baseadas em diferenças de renda,
mas também status etc. O bolchevismo também apresenta uma concepção de
classe social extremamente precária. A rigor fundamentada numa incompreensão da
discussão de Marx sobre isto. Definem as classes sociais tendo em vista o modo
de produção e por isto sua leitura é economicista. Percebem a burguesia, o
proletariado, devido ao caso russo, o campesinato e os estratos que compunha
esta classe na Rússia durante a gestação do bolchevismo. Para além daí, há uma
dificuldade de compreensão das classes sociais, chegando, por exemplo, a casos
como o de Trotsky, que não considerava a burocracia uma classe social, mas sim
uma camada social. Claro que esta leitura está associada aos interesses da
própria burocracia. Se a Rússia era um país comunista, então não poderia haver
uma classe dominante ali. No máximo, havia esta camada social, que não é uma
classe social. A complexificação das análises varia com a qualidade dos casos
individuais. Assim, Gramsci (embora não seja um bolchevique stricto senso)
traz a discussão sobre a classe intelectual, embora ele não utilize esta
expressão etc. Mas de qualquer forma, a interpretação bolchevista das classes
sociais é bem pobre e problemática. Há também um conjunto de autores vinculados
à Sociologia que também se debruçaram sobre este tema. Via de regra, gastam
muitas páginas a criticar Marx e geralmente o que eles criticam é exatamente a
caricatura que já expus anteriormente. Regra geral domina, nesta sociologia das
classes sociais uma total incompreensão da teoria de Marx das classes sociais.
Assim, autores como Gurvitch, Aron, Dahrendorf etc. realizam este tipo de
procedimento. Todos incorrem neste erro. Criticam a caricatura de Marx e ao
apresentarem suas interpretações, que seriam alternativas superiores, via de
regra, caem em classificações arbitrárias e reducionismos incongruentes com a
realidade. Assim, estes supostos críticos estão muito aquém do que é criticado
(ou seja, Marx).
Esta é a base da superioridade de todo o pensamento de
Marx em relação aos ideólogos burgueses. Marx concebe os processos sociais como
sendo historicamente determinados, socialmente constituídos. E todos são
passíveis de mudança. É por isto que Marx pode vislumbrar uma sociedade sem
classes,
Edições Redelp: Você termina seu livro não com uma
conclusão, mas com algumas “teses para uma teoria das classes sociais”, por que
proceder assim?
Lucas Maia: Exatamente porque, ao chegar ao final
da pesquisa, descobri que estava no início da caminhada. As teses são, pois,
hipóteses de trabalho para serem desenvolvidas. Ali está colocada a necessidade
de uma definição correta das classes sociais e quais são os pressupostos para
se fazer isto (a obra de Nildo Viana sobre as classes já citada realiza isto
com rigor); também, coloca-se a necessidade de ir além de Marx e das classes que
ele identifica em seu tempo; uma teoria das classes sociais, para compreender o
capitalismo contemporâneo, tem que dedicar muito mais tempo ao estudo da
burocracia, dada a amplitude, poder e importância que esta classe adquiriu no
século 20 e permanece, com modificações, no século 21; também, uma teoria das
classes sociais deve pensar o processo revolucionário e isto não está feito de
modo extensivo em meu livro. Por estas razões, termino o livro apresentando a
necessidade de ampliar as pesquisas sobre este tema, o que vem sendo feito por
alguns dos autores que citei antes.
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