OS
DILEMAS HUMANOS SEGUNDO ERICH FROMM
ENTREVISTA
COM ANDRÉ DE MELO SANTOS
EDIÇÕES
REDELP
Edições Redelp: Qual é a intenção ou objetivo do senhor ao lançar essa obra na atualidade?
André de Melo Santos: Fromm
foi um autor muito importante na minha formação intelectual. Estudei numa época
em que o marxismo era muito criticado na academia e, eu tinha alguma leitura do
marxismo e o Fromm contribuiu para essa formação no campo do marxismo. Penso
que muitos pontos abordados em sua obra podem contribuir para a crítica da
sociedade contemporânea como para a crítica do capitalismo.
Edições Redelp: Erich Fromm é
um autor, como consta na obra, popular, pois foi traduzido em diversos idiomas
e, no Brasil, suas obras tiveram várias reedições. Ao que se pode atribuir essa
popularidade de Erich Fromm?
André de Melo Santos: Eu
diria que seus textos tem uma linguagem simples para coisas complexas, ele
consegue falar de marxismo e psicanálise de uma forma bem didática. As obras
conhecidas como trilogia, Medo à Liberdade, Análise do Homem e Psicanálise
da Sociedade Contemporânea são obras que exploram temáticas complexas, mas
que a escrita é clara o que facilita e, ao mesmo tempo prende o leitor.
Basicamente o homem na sociedade capitalista não consegue
desenvolver as suas potencialidades humanas. Essa sociedade proporciona a produção
de riquezas ao mesmo tempo que o homem fica empobrecido no seu eu interior.
Edições Redelp: Curiosamente,
lendo o livro, ficamos sabendo que, apesar de popular, Fromm não possui o mesmo
reconhecimento nos meios acadêmicos e científicos. Como se poderia explicar
isso? Existe uma contradição entre popularidade e reconhecimento na esfera
científica?
André de Melo Santos: A
academia vive de modas, na minha época de graduação na UFG, Weber era o autor
que era tido como o grande exponencial nas ciências humanas, logo um autor
marxista não vai ter muito espaço. Fromm também é acusado de “sociologizar” a
psicanálise o que gera uma crítica no campo da psicologia. Fromm participou da fundação
da Escola de Frankfurt isso geralmente não é lembrado pelos estudiosos dessa
escola. Na educação, preferem o Adorno e não custa lembrar que nos movimentos
de 1968 ele chamou a polícia contra os estudantes, algo contraditório para quem
combate o autoritarismo. Logo, embora na obra de Fromm existam problemas, no
geral sua obra é relevante, mas na academia muitas vezes vale mais a moda do
que a relevância.
sobre a liberdade, que é o cerne do dilema do homem moderno".
Edições Redelp: O livro trata dos dilemas humanos na sociedade moderna a partir da perspectiva de Erich Fromm. Quais são esses dilemas? Não seria exagerado colocar assim? Não é apenas um título pomposo para vender livros?
André de Melo Santos: Basicamente
o homem na sociedade capitalista não consegue desenvolver as suas
potencialidades humanas. Essa sociedade proporciona a produção de riquezas ao
mesmo tempo que o homem fica empobrecido no seu eu interior. Ao diagnosticar
isso Fromm busca os caminhos para a sanidade, embora tenha se esquecido do
caminho principal que é a transformação social. O título ficou adequado a
discussão que Fromm faz ao longo de sua obra e, seria bom que livros como esse fossem
além dos meios acadêmicos e alcançassem o grande público.
A grande contribuição de Fromm e do freudo-marxismo foi
juntar essas duas teorias [psicanálise e marxismo] o que enriqueceu a
compreensão da sociedade capitalista, abriu espaço para uma crítica desses
mecanismos de dominação.
Edições Redelp: Erich Fromm é
um psicanalista. O que ele, um psicanalista, tem a dizer sobre a sociedade
moderna? Ele diz algo que os sociólogos já não disseram? Ele não cai num
reducionismo psicologista?
André de Melo Santos: A
psicanálise tem uma grande contribuição ao desvendar os mecanismos da mente
humana, o inconsciente desvendado pela psicanálise contribui para compreender
como o homem vive dentro de contradições e como a sociedade exerce a sua
dominação sobre o indivíduo. Marx, que não era sociólogo, foi um autor que
buscou compreender os mecanismos de dominação utilizados pela sociedade
capitalista. A grande contribuição de Fromm e do freudo-marxismo foi juntar
essas duas teorias o que enriqueceu a compreensão da sociedade capitalista,
abriu espaço para uma crítica desses mecanismos de dominação.
Edições Redelp: Um dos temas
que aparecem no livro é o da alienação. O conceito de alienação já rendeu
dezenas de livros de filósofos, sociólogos, marxistas, psicólogos, até
religiosos. Como se insere a discussão de Fromm a esse respeito?
André de Melo Santos: Para
Marx, a alienação se dá no trabalho, o homem não controla o processo produtivo,
passa a ser um meio e nesse processo ele perde a sua essência. O termo
alienação é muito utilizado, mas com significados diferentes do conceito de
Marx. Fromm também fala de alienação em um sentido muito amplo que por um lado
comete equívocos, mas por outro chama atenção para questões de distanciamento
do homem da sua essência que acaba gerando conflitos tanto no homem quanto na
sociedade.
Ao longo de sua obra Fromm se colocou como defensor daquilo
que o subjetivismo critica. Além disso, o subjetivismo combate o marxismo um
dos pilares do pensamento de Fromm. Logo, sua discussão sobre liberdade serve
tanto para o contexto do nazismo como para o contexto atual do neoliberalismo.
Edições Redelp: Outro tema
presente na obra é o da liberdade. O que Erich Fromm traz de novidade sobre
este tema, um dos mais antigos e debatidos da humanidade, desde as discussões
sobre o “livre arbítrio”, passando pela discussão sobre a liberdade individual
dos liberais, a concepção racionalista de liberdade de escolha, a concepção
marxista de libertação humana, até chegar ao subjetivismo contemporâneo?
André de Melo Santos: A obra
de Fromm apresenta uma discussão interessante sobre a liberdade, que é o cerne do dilema do homem moderno. Ao mesmo tempo que conseguiu se livrar da prisão que
era submetido na sociedade feudal, o homem não conseguiu desenvolver as suas
potencialidades e se tornou refém das ideologias da sociedade capitalista. Ao
longo da história surgiram ideologias que diziam defender a liberdade, em
linhas gerais o paradigma subjetivista, que é hegemônico hoje, se caracteriza
pela crítica da razão, recusa da totalidade e da historicidade. Ao longo de sua
obra Fromm se colocou como defensor daquilo que o subjetivismo critica. Além
disso, o subjetivismo combate o marxismo um dos pilares do pensamento de Fromm.
Logo, sua discussão sobre liberdade serve tanto para o contexto do nazismo como
para o contexto atual do neoliberalismo.
Apesar de um diagnóstico bem elaborado sobre a sociedade
capitalista, Fromm oscilou em colocar a questão fundamental, que é a transformação
social.
Edições Redelp: O que Fromm
pode contribuir para compreendermos a sociedade contemporânea, que mudou muito
após sua morte em 1980?
André de Melo Santos: Podemos
dizer que, no momento em que Fromm morre, o capitalismo estava na passagem do
regime de acumulação conjugado para o integral. Isso coloca o fim das
esperanças de um Estado de bem-estar. Fromm em momentos de sua obra imaginava
um modelo de capitalismo reformado, o que se provou historicamente impossível
e, o regime de acumulação integral com o Estado neoliberal, organização
toyotista do trabalho e o hiperimperialismo veio para destruir os poucos ganhos
que os trabalhadores tiveram no regime anterior. É possível que se Fromm
tivesse acompanhado esse processo por mais tempo poderia rever alguns pontos de
sua obra. Apesar de um diagnóstico bem elaborado sobre a sociedade capitalista,
Fromm oscilou em colocar a questão fundamental, que é a transformação social.
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