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A FÉ DARWINISTA EM QUESTÃO - ENTREVISTA COM NILDO VIANA

 A FÉ DARWINISTA EM QUESTÃO

ENTREVISTA COM NILDO VIANA

EDIÇÕES REDELP

 

 

Nildo Viana é sociólogo, filósofo, pesquisador da psicanálise e outras ciências humanas, Professor da Universidade Federal de Goiás; Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília, bem como autor de diversas obras, com destaque para A Consciência da História (2ª edição, Rio de Janeiro: Achiamé, 2008); Universo Psíquico e Reprodução do Capital (São Paulo: Escuta, 2008); Cérebro e Ideologia – Uma Crítica ao Determinismo Cerebral (Jundiaí: Paco, 2011); Manifesto Autogestionário (3ª edição, Rio de Janeiro: Rizoma, 2019); O Capitalismo na Era da Acumulação Integral (São Paulo: Ideias e Letras, 2009); A Mercantilização das Relações Sociais (Curitiba: Appris, 2018); A Teoria das Classes Sociais em Karl Marx (Lisboa: Chiado, 2018); O Modo de Pensar Burguês (Curitiba: CRV, 2018); Hegemonia Burguesa e Renovações Hegemônicas (Curitiba: CRV, 2019). Nildo Viana publicou recentemente mais um livro, cujo título é “A Verdade sobre o Darwinismo – Ensaios Críticos sobre Darwin e sua Herança”, no qual reúne um conjunto de ensaios críticos sobre Darwin e darwinismo. Em dezembro de 2020 lançou o documentário “Onde Darwin Errou?” no qual retoma a análise crítica de Darwin e do darwinismo sob a forma de um documentário. A Edições Redelp fez uma entrevista com Nildo Viana no sentido de esclarecer aspectos do livro e do documentário sobre o darwinismo.

 

Edições Redelp: Qual é a intenção ou objetivo do senhor ao lançar A Verdade sobre o Darwinismo – Ensaios Críticos sobre a Darwin e sua Herança, bem como o documentário Onde Darwin Errou?

 

Nildo Viana: O objetivo destes lançamentos foi tornar mais acessível ao público a crítica à Darwin e ao darwinismo, bem como a necessidade de superação das ideologias e sua substituição por teorias e entender que as ideias científicas não são nuvens que flutuam aleatoriamente no céu, pois estão enraizadas no chão da sociedade capitalista. Tendo em vista que existe uma apologia tanto a Darwin quanto ao darwinismo nos meios oligopolistas de comunicação, nos meios intelectualizados, livros didáticos, e, ainda, a grande popularidade dessa ideologia, então se torna necessário uma divulgação mais ampla da crítica – tanto as do passado quanto as do presente – ao darwinismo.

 

Edições Redelp: Apesar do sr. ser um não-especialista, que se autodeclara adisciplinar (algo mais radical do que interdisciplinar e multidisciplinar), com formação acadêmica em sociologia e filosofia, bem como áreas afins, e estudioso de várias áreas e temáticas, efetiva uma crítica a uma tese de uma área bem distante de sua formação. O que justifica isso? Isso não causa estranhamento aos biólogos? Seria apenas uma “sociologia da biologia” ou “filosofia da biologia”?

 

Nildo Viana: Nós vivemos numa sociedade de especialistas. A sociedade capitalista gerou uma ampla divisão social do trabalho, gerando classes sociais distintas e até antagônicas, bem como outras divisões e subdivisões, sendo que as ciências particulares e as profissões científicas são partes desse processo. Isso gerou a impressão e até ideologias (sistemas de pensamento ilusório) que afirmam que apenas o especialista da área é capaz de falar com autoridade sobre determinado assunto. Isso se justificaria pelo motivo de que, sendo especialista, teria uma dedicação maior ao estudo da área e da temática específica, gerando maior aprofundamento e domínio. Porém, esse argumento é falso. O primeiro ponto, um tanto quanto óbvio, é o de que não basta ser especialista para ter um saber mais profundo e desenvolvido sobre determinado tema. Basta ver a formação meramente ritual de grande parte dos especialistas, ou seja, observar o fracasso retumbante do regime escolar em nível superior (que é apenas extensão do fracasso nos níveis anteriores) para se perceber que, entre os especialistas, apenas uma ínfima minoria tem maior aprofundamento e desenvolvimento geral e em temáticas específicas. O especialista com grande profundidade é uma rara exceção. Se a exceção fosse o contrário, os avanços das ciências particulares seriam estrondosos, não só pelas descobertas individuais, mas também pela disseminação de saberes que contribuiriam com outros gerando uma difusão e sedimentação seletiva que geraria um desenvolvimento científico de altíssimo nível. O segundo ponto é que, mesmo os poucos especialistas que são pesquisadores de profundidade e inovadores, não são os mais indicados para realizar descobertas relevantes a nível mais profundo dos interesses da humanidade. E isso é resultado de um conjunto de determinações, sendo que uma delas, uma das principais, é a própria especialização. A especialização cria uma limitação intelectual e é geradora de determinismos e reducionismos. O terceiro ponto é que a produção intelectual em geral e a científica em particular é determinada pelo capital e pelo Estado, os principais financiadores e impositores de objetivos, limites, etc., bem como os cientistas foram perdendo cada vez mais a autonomia intelectual por estes motivos e por se tornarem cada vez mais especializados e limitados. O quarto ponto é que os especialistas, assim como os intelectuais em geral, são formados a partir de um determinado paradigma hegemônico, de ideologias, mentalidade, concepções, valores, que são obstáculos para ao avanço da consciência. Cabe destaque, nesse caso, para a mentalidade dominante, burguesa, fundada na competição social, mercantilização e burocratização e para os paradigmas hegemônicos, ligados aos interesses do capital e do aparato estatal[1]. Por isso o estranhamento dos biólogos ocorre e alguns se espantam com isso. É um fenômeno social, pois uma sociedade de especialistas, que cultua a especialização e que só considera os especialistas aptos para tratarem de certos temas, é o mais comum. Os valores e interesses (profissionais) reforçam esse espanto. A minha análise de Darwin e do darwinismo não é uma “sociologia da biologia”, nem uma “filosofia da biologia”, embora possa ter elementos que perpassam e coincidem com o trabalho de especialistas (novamente eles...) da sociologia da ciência e da filosofia da ciência, mas vai além, pois adentra sobre questões da própria biologia e outras áreas, pois o meu ponto de partida não é uma ciência particular e por isso vai além delas, não respeitando nenhum tipo de fronteira. E isso não por “presunção”, como alguns poderiam pensar, mas por causa que essas fronteiras são obstáculos para o desenvolvimento do saber e por isso precisam ser ultrapassadas. O que justifica a minha crítica do darwinismo, em síntese, é a necessidade de mostrar o oculto na ideologia darwinista, quer agrade ou não aos biólogos e quaisquer outros.

 

Nós vivemos numa sociedade de especialistas. [...]. A especialização cria uma limitação intelectual e é geradora de determinismos e reducionismos.

 

Edições Redelp: Mas isso não é muita ousadia? Como poderia criticar Darwin se não é biólogo, se não teve acesso ao enorme material empírico que ele trabalhou? Poderia fazer a mesma coisa com Einstein?

 

Nildo Viana: Não poderia fazer o mesmo com Einstein por vários motivos. Em primeiro lugar, Einstein é Einstein e Darwin é Darwin. Como indivíduos e seres humanos eram bem diferentes, além de viverem em épocas diferentes, tratarem de fenômenos distintos, entre milhares de outras diferenças. Não estou dizendo que é impossível fazer o mesmo tipo de trabalho com Einstein, mas sim que daria resultados diferentes e que eu não me disponho a fazer isso, pois demandaria uma imensa pesquisa e adentrar sobre questões que tenho menos interesse e menos sedimentação intelectual. Quem quiser fazer trabalho semelhante com Einstein deve ter consciência do que afirmei acima, bem como de que a física é distinta da biologia e tem menos envolvimento ideológico, devido aos fenômenos que aborda. Eu concordo que é ousadia, tendo em vista a sociedade em que vivemos e por isso não terá a ressonância que teria se vivêssemos numa sociedade diferente, onde os indivíduos fossem menos dogmáticos e mais reflexivos, menos idólatras e mais críticos, menos presunçosos e mais curiosos, entre outros aspectos. Os indivíduos da nossa sociedade foram produzidos por ela e para ela, ou seja, para reproduzi-la, logo, se questionamos as suas “verdades”, somos considerados loucos ou burros, antes de qualquer análise do que foi escrito. A prova mais cabal disso pode ser vista na internet, onde diversas pessoas – dos meios intelectualizados e até “marxistas”, que deveriam ter um senso crítico mais apurado – já descartam antecipadamente a crítica ao darwinismo a partir dos mesmos argumentos que constam das perguntas que foram feitas. Ou seja, o que importa é o argumento de autoridade e a especialização, o que anularia toda a argumentação realizada. Ou supostas “evidências” vistas sob forma simplista digna de pessoas que ainda não chegaram a uma compreensão mínima de como se produz ciência e do debate interno, bem como externo (filosofia, marxismo) sobre diversas questões, tais como as da objetividade, do empírico, etc. No plano racional, qualquer um pode criticar qualquer coisa, desde que seja com embasamento racional, argumentos, informações.

 

Leia primeiro, critique depois. Essa máxima deveria ser a de todo indivíduo que é um intelectual (profissional) ou se considera “inteligente”.

 

Ora, a recusa de ler e conhecer a crítica em nome dos ídolos, do argumento de autoridade, da especialização, de supostas “provas”, já mostra a pouca racionalidade por detrás dos pseudocríticos, bem como seus limites intelectuais. Leia primeiro, critique depois. Essa máxima deveria ser a de todo indivíduo que é um intelectual (profissional) ou se considera “inteligente”[2]. Sobre o amplo material empírico acessado por Darwin, isso não passa de ficção. Em primeiro lugar, o empirismo é pobre e equivocado; em segundo lugar, os “fatos” são selecionados e interpretados. Isso pode ser constatado facilmente quando se observa outros biólogos e especialistas de outras áreas que questionam Darwin, seja interpretando diferente as informações que ele apresentou, seja trazendo diversas outras informações que ele não “selecionou”. Os paleontólogos, por exemplo, trazem muitos questionamentos para a concepção darwinista (tanto a de Darwin quanto a dos neodarwinistas), assim como outros. E aí notamos, novamente, os limites dos especialistas: grande parte deles não conhecem amplamente nem a própria ciência (o que, infelizmente, é comum em todas as ciências, especialmente se considerarmos o número de indivíduos diplomados em cada ciência particular) e, no caso da biologia, isso é observado por muitos desconhecerem as várias outras concepções evolucionistas não-darwinistas, bem como as diversas críticas de várias outras áreas do saber e de biólogos ao darwinismo. E em parte isso é explicado pela formação precária, em parte pelos valores constituídos na subesfera biológica, gerando valores, crenças, etc. (e do cientificismo e elementos semelhantes mais gerais da esfera científica), que promovem uma incapacidade de perceber o que está fora do script.

 

Edições Redelp: O seu questionamento aponta para várias questões, tais como crítica da especialização, das influências culturais (mentalidade, ideologias, valores), da competição social, do empirismo. No fundo, o que se vê no livro e no documentário, que é embasado não só em informações, mas também na análise de outros autores, é a relação entre Darwin e a sociedade de sua época, com os valores burgueses e competição social, entre outros processos sociais e culturais. Em síntese, Darwin era filho da sua classe, época, sociedade. Mas isso não vale para o seu crítico? Acusar Darwin de racismo e sexismo, não seria um equívoco devido à época em que ele vivia?

 

Nildo Viana: Sem dúvida, todos somos derivados de nossa época e sociedade. Darwin era derivado da classe burguesa, que era a sua classe. E de uma burguesia imperialista, beligerante, e por isso podia manifestar seu colonialismo, racismo, sexismo, etc. Porém, existiam outras pessoas na mesma época que não eram racistas e sexistas, inclusive alguns na própria burguesia. Se todos fossem racistas e sexistas, o argumento teria validade, pois somente um indivíduo excepcional escaparia do “espírito da época”. Além disso, teríamos que perguntar até que ponto o racismo e o sexismo é “desculpável”. Claro que também é preciso delimitar bem o que é racismo e sexismo, para não cair nas acusações fáceis. Eu não estou partindo das concepções hegemônicas contemporaneamente, pois sou crítico delas. Porém, apesar de todas essas ponderações, é preciso entender que não se trata de acusação e sim constatação. Darwin era racista e sexista, está em sua produção intelectual e outros aspectos de sua vida, ou seja, estava tanto nas suas teses biológicas expressas em suas obras (especialmente A Origem do Homem e a Seleção Sexual, e menos explicitamente em A Origem das Espécies) quanto em suas cartas, relatos de viagem e autobiografia. O fato de existir racismo e sexismo na época e sociedade dele, sob forma não generalizada, pode apenas apontar para a necessidade de distinguir entre aqueles que reproduzem as ideias dominantes e aqueles que passam por cima delas. Aliás, o mesmo argumento poderia ser utilizado para dizer que ser darwinista hoje é algo “desculpável”, afinal a maioria concorda com essa ideologia.

A constatação do racismo e sexismo em Darwin não é uma pseudocrítica para combater a ideia desqualificando o autor dela – tal como muitos fazem com outros pensadores – e sim devido ao fato de que seu racismo e sexismo é transposto para sua concepção biológica e sua “teoria” da evolução, e para mostrar os vínculos de sua mentalidade e valores com a sua produção intelectual.

Outra necessidade é distinguir entre aqueles que reproduzem acriticamente e irrefletidamente o racismo e o sexismo e aqueles que produzem e reproduzem ideias racistas e sexistas, bem como se apegam fortemente a elas. Darwin está no último caso e não no primeiro. E seria preciso também distinguir entre os indivíduos que reproduzem o racismo e o sexismo, aqueles que possuem maior bagagem cultural, são mais intelectualizados, tem maior acesso a informações, e os com menor bagagem cultural, menos intelectualizados e com menos acesso a informações. Darwin estava no primeiro grupo e não no segundo. A responsabilidade de um operário semianalfabeto que reproduz racismo e sexismo é bem distinta de um filho da burguesia com toda uma formação intelectual e acesso a informações. Não é possível homogeneizar. Também é preciso distinguir entre um indivíduo que faz uma afirmação isolada e esporádica de teor considerado racista e alguém que sempre faz isso e, mais ainda, de quem escreve legitimando e fundamentando isso em teses supostamente “científicas”. No entanto, é preciso também alertar que a constatação do racismo e sexismo em Darwin não é uma pseudocrítica para combater a ideia desqualificando o autor dela – tal como muitos fazem com outros pensadores – e sim devido ao fato de que seu racismo e sexismo é transposto para sua concepção biológica e sua “teoria” da evolução, e para mostrar os vínculos de sua mentalidade e valores com a sua produção intelectual. Sobre os críticos do darwinismo, isso também vale. No meu caso não é diferente. Sem dúvida, também sou um produto social e histórico, bem como minhas ideias e a própria crítica, mas estou numa posição diferente no interior da sociedade, tendo processo histórico de vida radicalmente diferente, sou portador de valores e concepções muito diferentes, ou melhor, antagônicas. E minha posição é autorreflexiva, ou seja, tenho consciência dela e reflexão crítica sobre ela, bem como sobre os elementos que utilizo (método, teoria, etc.). Eu parto de um humanismo radical e, por conseguinte, é uma posição antagônica á mentalidade burguesa. E é isso que permitiu a crítica. A sociedade capitalista não é homogênea e por isso é preciso fazer distinções e entender que Darwin partia da perspectiva burguesa, o que gerava limites intransponíveis para sua consciência e o crítico parte de outra perspectiva. Por exemplo, Darwin não concebia a sua produção como histórica, localizada numa sociedade determinada e num país específico, ele considerava-a uma “lei natural”, acima da história. E assim naturalizava a sua compreensão de sua época e sociedade. O que eu faço é o contrário, aponto para a percepção da historicidade e para o enraizamento social das ideias (o que é distinto do relativismo, mas aponta para a percepção que as concepções verdadeiras e ilusórias não surgem apenas da genialidade dos indivíduos, mas de um conjunto de determinações), mas, ao ter consciência disso e que faço parte desse processo, posso ter maior autonomia intelectual e percepção mais crítica, conseguindo enxergar mais longe.

 

Edições Redelp: A impressão que passa a leitura do livro ou a assistência do documentário é a de que Darwin não era um intelectual tão sábio e inteligente como muitos dizem, que ele não seria tão fundamental para o pensamento moderno com os demais com os quais ele é comparado, como Freud e Marx, ou, ainda, Nietzsche e Einstein. Qual é o lugar de Darwin no âmbito dos grandes pensadores da humanidade?

 

Nildo Viana: Sem dúvida, Darwin não pode ser comparado com Marx, Freud e Einstein (afirmação que não deve ser entendida como desconsiderando a diferença entre eles e o significado histórico distinto de suas produções intelectuais). Com Nietzsche pode, pois tal filósofo é superestimado, especialmente em certos momentos históricos, que é quando suas ideias problemáticas podem justificar e legitimar determinadas ideologias, ações, etc. Darwin era um pensador medíocre. O seu sucesso, tal como se pode ver no documentário e com mais detalhes e desenvolvimento no livro, está relacionado à sua família e origem burguesa e as consequências disso (redes de contato na esfera científica, etc.), bem como na unidade entre suas ideias e os interesses da classe dominante. Inclusive há uma passagem de um documentário apologético de Darwin que afirma que ele viveu uma “vida dominada por poucas e poderosas influências”, o que não deixa de ser engraçado e uma espécie de “ato falho”. Darwin lia o que se produzia na sua época pelos naturalistas e intelectuais de áreas afins e fora disso, tinha leitura do evolucionista Herbert Spencer, precursor da sociologia e lamarckista que posteriormente se aproxima do darwinismo, e o economista (chamado de “vulgar” por Marx) Thomas Malthus e não muito mais. Ele considerou isso suficiente, pois esses dois autores já ofereciam as bases ideológicas para sua concepção. Porém, Malthus também era um pensador medíocre e Spencer não era um grande pensador. Malthus ficou conhecido por sua “teoria” da população, amplamente criticada por Marx, extremamente limitada e problemática. Tal concepção se adequava aos interesses da burguesia e, justificado por tal ideologia, ele mesmo foi contra a chamada “leis dos pobres”. Mas basta um pouco de reflexão para ver que são todos ingleses, ou seja, Darwin pouco lia autores de outros países. Com exceção de Lamarck (um pensador francês) e mais alguns, ele não era um grande leitor de autores estrangeiros. A Inglaterra é o reino do empirismo ou a monarquia do empírico, o que é um obstáculo para a emergência de grandes pensadores. Darwin era um verdadeiro ideólogo do imperialismo inglês. A Inglaterra era o centro do mundo e, no pensamento de Darwin, era o centro definitivo do mundo e da produção intelectual. O fato do darwinismo não ser tão admirado na França como é na Inglaterra mostra um pouco a rivalidade entre estes dois países, mas também revela o caráter nacional da obra de Darwin.

 

E numa sociedade como a nossa, que é um reino de ilusões, não se deve considerar o reconhecimento social como critério para avaliar a importância ou qualidade de uma obra. Na sociedade capitalista, raramente coincide qualidade e contribuição real com reconhecimento social.

 

Darwin não tinha muitos recursos intelectuais. Ele não tinha uma concepção ampla do mundo, não tinha reflexões metodológicas, não era um erudito, não fazia autorreflexão. Se ele conhecesse Kant, por exemplo, poderia ter evitado alguns erros (ou não, se sua mentalidade o impedisse), assim como se tivesse leitura de Hegel, Marx, entre outros. Se fosse Kant que tivesse acesso às informações que Darwin utilizou e se se dedicasse a produzir uma “teoria da evolução”, o resultado teria sido bem diferente e muito mais rico e isso apesar do fato do filósofo alemão também expressar a perspectiva burguesa, pois esta se manifestava, nesse caso, numa versão bem mais refinada e profunda. Kant, por exemplo, afirmava que o que é pesquisado pelas ciências naturais (o mundo material e o mundo orgânico) possuem causalidades distintas (mecânica e teleológica, para física/química e para a biologia, respectivamente) e as ciências humanas tratariam de um ser dotado de liberdade, gerando diferenças de abordagem, coisa que Darwin não compreendia e por isso projetava o mundo “biológico” no “mundo humano” e “social”. Kant era um republicano, uma expressão ideológica da burguesia democrática, e Darwin era um nacionalista num país imperialista e sendo expressão de uma burguesia beligerante. Sem dúvida, Darwin era um intelectual limitado e foram as condições sociais e históricas que permitiram o seu sucesso e sua reprodução até os dias de hoje. Por conseguinte, o lugar de Darwin no âmbito dos grandes pensadores da humanidade não existe, pois ele não era um grande pensador para ter algum lugar entre eles. Obviamente que, nesse caso, o critério de análise é o qualitativo. Porém, se usarmos o reconhecimento social, então Darwin figura entre os mais destacados autores da história do pensamento moderno. Aliás, esse é um dos motivos pelos quais a crítica de suas ideias é necessária. Porém, existe uma diferença entre a qualidade e contribuição real de uma obra e o reconhecimento social. Uma obra pode ser excepcional e de alta qualidade, sendo uma contribuição inestimável para a análise de determinado fenômeno e não ser reconhecida socialmente, bem como pode ocorrer o contrário, uma obra limitada e sem contribuição real para a compreensão da realidade que consegue amplo reconhecimento social. A história da ciência já demonstrou isso. E as obras que tendem a receber maior reconhecimento social não são, geralmente, as melhores, e sim aquelas que compartilham ou reproduzem as ilusões de uma época. E numa sociedade como a nossa, que é um reino de ilusões, não se deve considerar o reconhecimento social como critério para avaliar a importância ou qualidade de uma obra. Na sociedade capitalista, raramente coincide qualidade e contribuição real com reconhecimento social. Nos poucos casos em que isso ocorre, é algo relativo. E ainda pode ocorrer que o referido pensador e sua contribuição seja interpretado e deformado pelas ilusões da época ou lugar, o que significa que a qualidade e contribuição podem ser apagadas por interpretações deformantes.

 

Edições Redelp: Há algo de útil ou aproveitável na obra de Darwin?

 

Nildo Viana: O que é válido no pensamento de Darwin não é original e o que é original não é válido. O evolucionismo não é uma criação de Darwin, apesar dos mais desinformados pensarem isso. Darwin apenas criou uma nova concepção de evolução, expressando ideias que já estavam circulando de forma não sistemática na sociedade inglesa de sua época, e que foi desenvolvida, com algumas diferenças, por Wallace e Bates. O que ele trouxe de “novo”, embora compartilhado por outros, é o mais problemático, pois remete para a justificação da competição social e superioridade burguesa e inglesa através de ideias como “sobrevivência dos mais aptos”, bem como a ideia da “pângenese”. Outros biólogos e autores que trataram da evolução contribuíram mais e, muitas vezes, sem os problemas tão graves apresentados por Darwin.

 

O que é válido no pensamento de Darwin não é original e o que é original não é válido.

 

Edições Redelp: Então apenas os grandes filósofos é que produzem grandes ideias e efetivam grandes descobertas?

 

Nildo Viana: Não exatamente. Obviamente que a erudição, cuja existência é mais comum no caso dos filósofos por não serem especialistas, é um elemento fundamental. Claro que hoje, com o desenvolvimento do capitalismo e da filosofia, ela se torna cada vez mais subordinada à ciência e assim se torna também cada vez mais especializada, sendo que o que predomina hoje são professores e historiadores de filosofia ao invés de “filósofos” no sentido de pensadores originais e profundos. Atualmente, o que temos são geralmente intérpretes ou historiadores da filosofia, mais do que produtores de novas concepções filosóficas. Por conseguinte, o que interessa é a erudição e não ser filósofo ou não. A erudição é um elemento importante e uma das determinações da produção intelectual e de seu maior ou menor alcance. E ela vem diminuindo com o passar do tempo. Veja o caso da sociologia. Os três clássicos da sociologia eram grandes eruditos. Durkheim não só conhecia o pensamento filosófico (e basta ver os escritos dele sobre Rousseau, Montesquieu e outros que citava, como Francis Bacon e René Descartes), a psicologia nascente (fez cursos na Alemanha com alguns dos primeiros psicólogos), mas também conhecia amplamente os precursores da sociologia (Comte, Spencer, etc.), e lia autores variados (como Labriola e sua obra sobre a concepção materialista da história, que ele resenhou, entre diversos outros, inclusive alguns da medicina e ciências naturais). Não é sem motivo que ele se tornou um clássico. Max Weber era ainda mais erudito, pois tinha amplo domínio sobre a produção da área da ciência econômica da época, da historiografia, da filosofia, etc., bem como lia os pseudomarxistas (com os quais ele debatia e confundia com Marx, autor que pouco leu). Marx (que não era sociólogo, mas é considerado um clássico dessa ciência por causa de sua análise da sociedade), por sua vez, era ainda mais erudito, pois conhecia a filosofia muito mais amplamente do que Durkheim e Weber, já que conhecia a filosofia antiga, os seus desdobramentos posteriores, a filosofia alemã (Kant, Hegel, Feuerbach, etc.), conhecia amplamente a produção da economia (a economia política inglesa, mas não só ela, como também a francesa) e a literatura socialista (francesa, alemã, inglesa). Além disso, Marx também leu os primeiros antropólogos, os primeiros historiadores, obras de ciências naturais, matemática, etc. E os chamados “clássicos da sociologia” também possuíam um conjunto de informações não apenas sobre a sociedade de sua época, mas das épocas anteriores. Todos eles trabalharam a questão da origem da sociedade capitalista. Marx tinha pilhas de materiais informativos sobre variados fenômenos, inclusive sobre a Rússia, Espanha, sem falar do capitalismo inglês. Durkheim tinha amplo material sobre suicídio e educação, Weber sobre religião, etc. Comparem agora esses pensadores com um sociólogo contemporâneo, especialista em uma sociologia especial (da educação, do trabalho, etc.) qualquer, que nem sequer tem grande domínio sobre o pensamento destes clássicos (e o ensino superior nos cursos de ciências sociais e pós-graduação em sociologia reforçam o descompromisso com a formação sociológica, pois os clássicos são lidos fragmentariamente, quando o são), só leem sociólogos e mais um ou outro de outra área. Como poderia pensar a sociedade de forma global e profunda com tão poucos recursos intelectuais?

 

Um pesquisador que só conhece – e de forma limitada – uma área do saber, estará privado de várias outras ideias, da percepção de conexões e relações, e assim poderá se apegar a determinadas ideias frágeis por lhe faltar elementos para uma maior criticidade.

 

E isso pode ser visto em todas as ciências particulares. Qual economista hoje tem a erudição de um Adam Smith ou Karl Marx (que não era economista, embora alguns o considerem clássico dessa ciência por ter analisado a produção e distribuição de riquezas no capitalismo)? A lista de casos seria enorme. Um pesquisador que só conhece – e de forma limitada – uma área do saber, estará privado de várias outras ideias, da percepção de conexões e relações, e assim poderá se apegar a determinadas ideias frágeis por lhe faltar elementos para uma maior criticidade. Um economista que nunca analisou sociedades pré-capitalistas ou tribais tem uma facilidade muito maior de naturalizar a nossa sociedade e não aceitar sua historicidade. Porém, a erudição é apenas uma determinação, algo que é importante e que amplia os horizontes, mas outro elemento é a mentalidade, a perspectiva, os valores. A erudição enciclopédica é limitada. A erudição precisa ser significativa, o que significa que o pensador deve refletir, analisar, assimilar, descartar, através de uma análise crítica o material informativo e intelectual que tem acesso. Assim, erudição, se se limitar apenas ao acesso a obras, autores, informações sobre a realidade, pode ser útil, mas precisa de outros elementos, tais como a reflexão crítica e determinados valores e interesses. A erudição e a criatividade são limitadas por valores, concepções e sentimentos limitados, marcados por interesses mesquinhos (de classe, pessoais, etc.). Porém, alguém com valores e sentimentos nobres sem erudição, tende a simplificar e embora tenda a avançar mais do que outros, pode acabar ficando num nível bastante elementar e, por conseguinte, desenvolver pouco a consciência. Assim, a erudição é fundamental, e, se acompanhada por determinados valores, sentimentos, etc. e se for significativa, bem como tendo potencial criativo (o que é facilitado se tiver domínio de método e realizar reflexões mais profundas), pode gerar uma contribuição muito maior. Por isso citei o exemplo de Kant em comparação com Darwin. Apesar dos limites de ambos por expressarem a perspectiva burguesa, havia diferenças entre ambos. Um representava a burguesia nacionalista beligerante e outro a burguesia republicana, o que gerava diferença no âmbito dos valores – embora fossem valores burgueses em ambos os casos –, mas havia uma outra diferença entre eles, a erudição e reflexão mais profunda de Kant. Assim, Darwin foi superestimado, mas isso é explicado não por suas teses (aliás, poucos biólogos leram suas obras profundamente, inclusive a Origem das Espécies e, mais contemporaneamente, com a diminuição do hábito de leitura de obras mais volumosas e a ideia difundida de que basta olhar a internet ou “pesquisar” – realizar buscas, mais exatamente – no google para ser culto e inteligente, reforça o empobrecimento intelectual de todos os intelectuais das gerações mais recentes) e sim por sua utilidade para a dominação burguesa em determinado contexto. Em síntese, o elemento fundamental é ser erudito e não ser filósofo, embora a erudição não possa ser apenas “coleção de informações”, deve abranger a reflexão, o método, etc. Recordando, também, que não basta ser erudito, pois é preciso outros elementos para que isso resulte num grande pensador e apontamos alguns deles (poderíamos acrescentar a coragem e ousadia para contestar o que é hegemônico e vários outros).

 

Edições Redelp: Tanto o livro quanto o documentário mostram uma extensa lista de obras de Darwin e sobre Darwin e o darwinismo. Então é possível considerá-lo um especialista em Darwin?

 

Nildo Viana: Não sou especialista em Darwin. Seria possível dizer que sou um expert no darwinismo. Aqui cabe explicar a distinção que faço entre o especialista e o expert. O especialista é um indivíduo que se especializa em determinada área, assunto, tema, etc., o que significa que ele se limita a tal especialidade. O expert, ao contrário, é um indivíduo que possui domínio sobre determinada área, assunto, tema, etc. que não é uma especialidade para ele. O especialista tem uma especialidade e o expert tem foco temático. O especialista pode ter uma especialidade e subespecialidade (a especialidade pode ser a historiografia e a subespecialidade a história antiga ou algo ainda mais delimitado). Logo, um especialista em “sociologia do trabalho”, em “bioética”, em “Aristóteles” ou em “estudos culturais”, é alguém que se dedica apenas a isso, com possíveis interfaces e questões relacionadas. Um expert que pode ter domínio amplo sobre bioética, relações de trabalho, pensamento de Aristóteles e estudos culturais, sem se dedicar exclusivamente ou prioritariamente a isso. São coisas distintas. Marx era um expert em economia política e na análise do modo de produção capitalista, mas não era um especialista. John Maynard Keynes foi um especialista em economia. O especialista pode ter mais leitura, tempo dedicado, etc. a determinado tema ou área, mas tem geralmente uma base analítica, teórica e metodológica mais restrita. É claro que isso depende do especialista em questão, pois muitos possuem a formação ritual em determinada área, mas não formação estrutural (ou seja, não domina a área de saber na qual se especializou). O expert, por sua vez, possui uma base intelectual mais ampla, e se dedica a alguns fenômenos/temas de forma mais intensa, não sendo sua especialidade e nem a única área de saber abarcada. Aqui também é preciso distinguir os indivíduos concretos, pois alguns experts possuem mais aprofundamento e amplitude temática do que outros.

 

O especialista é um indivíduo que se especializa em determinada área, assunto, tema, etc., o que significa que ele se limita a tal especialidade. O expert, ao contrário, é um indivíduo que possui domínio sobre determinada área, assunto, tema, etc. que não é uma especialidade para ele.

 

 

Edições Redelp. Tanto no livro quanto no documentário, há um elenco de críticos de Darwin, desde especialistas de outras áreas até cientistas naturais e biólogos. Quem são esses “críticos de Darwin”? Por qual motivo são tão pouco conhecidos?

 

Nildo Viana: Desde que Darwin publicou sua primeira obra, a Origem das Espécies, mas mais ainda quando lançou A Origem do Homem, ele foi alvo de diversas críticas. Deixando de lado a crítica dos religiosos e “leigos” em geral, vários criticaram Darwin ou, pelo menos, o darwinismo. Esse é o caso do sociólogo Alfred Espinas. Outros criticaram mais o darwinismo, poupando equivocadamente Darwin, como Kropotkin e Pannekoek. Há outros, ainda, que criticaram Darwin por postular outras concepções biológicas, como Karl Kessler. Marx mesmo criticou de Darwin, sendo o primeiro a identificar que este autor transpunha a sociedade inglesa de sua época, com sua competição social, para o mundo da natureza, embora tenha feito isso em cartas (e que foram reproduzidas posteriormente por Engels em livros). Além disso, os neolamarckistas também efetivaram críticas ao darwinismo. Essas críticas emergiram entre o final do século 19 e início do século 20. Eram críticas que abrangiam aspectos diferentes do pensamento de Darwin e do darwinismo. Marx, por exemplo, criticava o vínculo do darwinismo original com a sociedade capitalista, pois ele seria uma projeção dela transposta para o mundo natural. Espinas e Kropotkin já criticavam a tese da competição no mundo natural que subtraia a cooperação e seu significado no processo evolutivo. Claro que Espinas realizava a crítica da perspectiva burguesa, pois como durkheimiano postulava uma “solidariedade” na sociedade moderna, enquanto que Kropotkin partia do anarco-comunismo e, por conseguinte, refutava a naturalização da competição. Pannekoek já criticava a aplicação das ideias darwinistas ao mundo social de forma absoluta como foi realizada pelos darwinistas. Os neolamarckistas, por sua vez, contestavam elementos do darwinismo que entravam em conflito com algumas concepções defendidas por Lamarck, mas de forma atualizada. A crítica de Marx era mais profunda, pois focalizava os fundamentos (vínculo com a sociedade burguesa) e os resultados do darwinismo (criação de uma ideologia), enquanto que a dos demais era mais específica ou poupavam Darwin. Novas críticas emergiram posteriormente. O biólogo francês Marcel Prenant, retomava a crítica de Marx e incluía uma análise do seu racismo e outros aspectos, inclusive biológicos. É possível citar elementos também na psicanálise de Erich Fromm e na antropologia de Ashley Montagu, especialmente suas críticas aos derivados do darwinismo. Outras concepções biológicas foram surgindo e algumas críticas especializadas apareceram, embora muitas moderadas, como as de Stephen Jay Gould, Willi Henig, Colin Peterson e outros. Uma crítica mais forte emergiu com Richard Levins e Richard Lewontin. Especialistas de outras áreas, especialmente vindos da paleontologia e da zoologia, também efetivaram críticas a Darwin, bem como os neolamarckistas atualizaram suas críticas posteriores.

 

Aqueles que são empiristas, ou aqueles que tratam de um tempo histórico muito curto, são os mais propensos a equívocos.

 

A crítica dos paleontólogos é uma das mais interessantes, pois eles abordam um tempo histórico mais longo. Aqueles que são empiristas, ou aqueles que tratam de um tempo histórico muito curto, são os mais propensos a equívocos. Por exemplo, um sociólogo que só pensa os dez últimos anos da sociedade e se ilude com as teses da moda, com o que é hegemônico, não só não têm uma percepção crítica da contemporaneidade, como não entendem a historicidade e caráter passageiro de determinadas ideias e fenômenos. Um sociólogo que consegue abarcar em sua compreensão um tempo histórico mais longo, consegue ter uma percepção mais ampla e correta da realidade. Aquele avalia séculos tem vantagem sobre aquele que se limita a décadas. Se os primeiros conseguem ver as mutações da sociedade e do capitalismo e por isso entendem que a sua atual fase não é a final e definitiva, que é um produto social e histórico passageiro, os outros tendem a se iludir com o “espírito da época” e eternizar relações sociais históricas e temporárias. Claro que isso depende de outras determinações, pois um evolucionista social tenderia a pensar da mesma forma devido sua base ideológica e limitada, pensado em apenas desenvolvimento do que existe e nunca em sua abolição ou alteração radical. Um paleontólogo coloca questões para o darwinismo que são semelhantes, pois não trata de milhares de anos, mas milhões e isso gera a percepção da dificuldade do esquema darwinista em explicar as mutações mais amplas e profundas, as lacunas que aparecem na evolução das espécies, entre outros problemas. Os biólogos que criticaram o darwinismo também efetivaram várias contribuições, inclusive com a crítica do determinismo biológico e genético, tais como Richard Lewontin e outros. No Brasil, as obras de Nélio Marco Bizzo e Ricardo Ferreira são fundamentais, pois não apenas retomaram a crítica já existente de Darwin e do darwinismo, como trouxeram elementos para uma reflexão mais ampla dessa concepção. Essas variadas críticas são pouco conhecidas pelo simples motivo de que “as ideias dominantes são as ideias da classe dominante” e o darwinismo serve como uma luva para justificar e legitimar o capitalismo e vários de seus aspectos. Não é interesse dos meios oligopolistas de comunicação, dos governos, dos meios intelectualizados, buscar um pensamento crítico, especialmente se ele for mais radical, ou seja, mais profundo.

 

Edições Redelp: Por qual motivo, além do livro, produziu um documentário? O que há de comum e de diferente entre ambos? Como um sociólogo e filósofo produz obra sobre darwinismo e ainda faz documentário? Isso é exemplo de erudição?

 

Nildo Viana: A razão para fazer o documentário é a necessidade de uma ampla difusão da crítica ao darwinismo e a ideia equivocada repassada por meios oligopolistas de comunicação, livros didáticos, documentários, meios intelectualizados, de que as ideias de Darwin seriam excepcionais e até mesmo inquestionáveis. Sem dúvida, o livro faz isso. Porém, para difundir uma crítica a uma ideologia amplamente hegemônica e difundida na área, seria necessário ir além de artigos e livro, especialmente no capitalismo contemporâneo, no qual a leitura de livros diminui, o paradigma subjetivista traz a ilusão de um grande saber de pessoas que fazem leituras superficiais e de informações de internet, entre outros problemas derivados. Assim, o documentário pode atingir um público mais amplo e mais acostumado ao audiovisual. Um livro pode ser lido por dezenas, centenas ou até milhares de pessoas, tendo mais profundidade, mas um documentário, mesmo sem a mesma profundidade, pode atingir milhares ou até milhões (inclusive pelo motivo de que está disponível gratuitamente no Youtube e qualquer um pode acessar desde que tenha conexão com a internet)[3]. O que existe de comum entre ambos é a mesma perspectiva e o que existe de diferente é o nível de profundidade e detalhamento, sendo que o livro é mais profundo e detalhado, bem como a forma, já que uma obra escrita se distingue de um documentário que trabalha também com imagens e outros recursos que geram outras formas de percepção da mensagem. O processo de produção de um documentário depende de muitas coisas que diferem da produção de um livro. Na produção de um livro, embora também existam contratempos e imprevistos (por exemplo, prazos, custos, tempo de quem realiza a produção e tem outros compromissos e projetos, acesso a obras e informações, entre milhares de outras questões), o autor tem uma maior facilidade e domínio do processo, enquanto que na produção de um documentário existem vários outros elementos que podem limitar ou dificultar sua realização e o resultado final. Além do cuidado com questões de direitos autorais, ainda há o problema do uso adequado de música e imagens, a edição, etc. Por exemplo, a música O Crepúsculo dos Deuses, de Richard Wagner, está em domínio público e foi possível sua utilização. E o seu uso não foi uma escolha aleatória, pois ela integra o conjunto da obra e traz um significado. O significado do uso dessa obra é duplo: em primeiro lugar, por expressar em seu título popularizado a ideia de crepúsculo de um ídolo, no caso, Darwin; em segundo lugar, por ser um músico que repassa ideias e sentimentos próximos ao darwinismo, e não era sem motivo que Wagner era o músico preferido de Nietzsche (autor do livro Crepúsculo dos Ídolos), que tem uma proximidade com essa ideologia[4]. Desta forma, é necessário entender que a mensagem é basicamente a mesma, mas os meios são diferentes.

 

O documentário analítico é fundamentado tanto em documentos quanto em argumentos.

 

O documentário Onde Darwin Errou? traz alguns elementos distintos dos demais por causa de sua composição formal. Trata-se de um “documentário analítico”. O documentário analítico se diferencia de outros que se limitam a apresentar entrevistas com especialistas realizadas por não-especialistas e que apresentam informações complementares sobre o tema. O documentário analítico é fundamentado tanto em documentos quanto em argumentos. E por isso contém trechos de obras escritas (de Darwin, por exemplo), trechos de documentários (que provam, por exemplo, a existência da apologia ao darwinismo), trazendo documentos que fundamentam a análise. Os trechos de outros documentários aparecem com a linha vertical de cinema para mostrar que é equivalente a uma citação, ou ao uso de aspas, bem como trechos de filmes aparecem com a linha horizontal que simboliza cinema para mostrar o equivalente de aspas, mas que é de obra ficcional, que vem para ilustrar a ideia, afirmação, informação. O uso das linhas horizontais e verticais servem para delimitar essa inserção de outra obra dentro do documentário. A entrevista de Richard Lewontin ilustra esse caso. O documentário não mostra apenas documentos, mas realiza a análise e determina sua disposição. A ideia é mostrar que a análise é fundada em “documentos”, ou seja, é fundamentada e isso aparece tanto nos trechos citados de livros de Darwin e vários outros, como também no uso de trechos de documentários, entrevistas, e até mesmo quando coloca uma página de um livro traduzido de Darwin no qual um trecho foi subtraído e uma página na qual o trecho aparece, mostrando que não se trata de uma afirmação sem fundamentação e sim comprovada.

 

Darwin, os neodarwinistas, eugenistas, sociobiólogos e outros são deterministas e limitados, nem compreendem que suas ideias são produtos sociais e históricos que reproduzem a sociedade existente. Acreditam que suas ideias revelam “leis naturais” e que a sociedade e os seres humanos também estão submetidos à essas mesmas leis.

 

Edições Redelp: O final do documentário remete para mais uma crítica ao darwinismo, destacando a especificidade do social e do mental. Ela já estava implícita desde o início, mas aponta para os limites da biologia na sociedade moderna. Poderia falar um pouco sobre isso? Além disso, no final parece emergir a tese de que uma teoria da evolução das espécies é impossível no interior da sociedade atual. É isso mesmo?

 

Nildo Viana: Darwin e os darwinistas se mostraram incapazes de compreender a especificidade do social e da complexidade da mente humana. A projeção da sociedade competitiva no mundo animal e natural e o retorno desta para explicar a sociedade e os seres humanos é um equívoco colossal. Darwin, os neodarwinistas, eugenistas, sociobiólogos e outros são deterministas e limitados, nem compreendem que suas ideias são produtos sociais e históricos que reproduzem a sociedade existente. Acreditam que suas ideias revelam “leis naturais” e que a sociedade e os seres humanos também estão submetidos à essas mesmas leis. O próprio Darwin encontrou dificuldade em aplicar suas teses às plantas. Mas, ao invés de abandonar a ideia, ele buscou apenas fazer alguns remendos para mantê-la. O mundo da matéria se organiza diferentemente do mundo animal, o que é um tanto quanto óbvio, pois os animais possuem necessidades e os objetos inanimados não e por isso Lamarck, nesse aspecto, era mais avançado do que Darwin. A transposição do mecanicismo para a biologia efetivada por Darwin era útil para o reconhecimento social e o colocava de acordo com o paradigma hegemônico, que era o positivismo e ele foi um dos grandes representantes do mesmo, não por suas ideias em si, mas pelo impacto delas. A disputa entre mecanicismo darwinista e vitalismo lamarckista foi vencida pelo primeiro por diversas determinações e, entre estas, por ela estar de acordo com o paradigma hegemônico e interesses da classe capitalista. Da mesma forma, o mundo social é diferente do animal e do material. As semelhanças são mais formais do que substanciais. As relações sociais se transformam, não são as relações sociais capitalistas que Darwin e os darwinistas generalizam e eternizam, encontrando-as na natureza e as tornando “leis naturais e universais”. Por outro lado, o comportamento humano é radicalmente diferente do animal. Sem dúvida, os seres humanos também possuem necessidades que são as mesmas dos animais, como alimentação, reprodução, etc. Mas eles possuem necessidades especificamente humanas, que vão além dessas e que é o que caracteriza o ser humano. Além disso, a mente humana é extremamente complexa e, por conseguinte, o comportamento humano não segue a mesma dinâmica e determinação do comportamento animal. O ser humano desenvolveu processos psíquicos complexos inexistentes no mundo animal, tal como a consciência e os sentimentos (que são distintos das emoções, sendo formas mais desenvolvidas e superiores destas). Como aparece na entrevista de Richard Lewontin, os biólogos e geneticistas são geralmente deterministas e explicam tudo pela biologia, o que é um dos males da especialização, gerando reducionismos e determinismos. Eles não buscam análises mais profundas da sociedade e da mente humana, mas partem das concepções de sua área específica do saber e buscam explicar todo o resto a partir delas. Assim como um economista ou um geógrafo podem produzir o determinismo econômico e o geográfico, que significa interpretar o mundo – para além do conjunto de fenômenos que compõem sua área de especialização – a partir da projeção e generalização de um conjunto de ideias (que podem ser questionadas até em relação aos fenômenos que buscam explicar, e não faltam críticas da economia e da geografia, tanto de especialistas da área quando de experts a esse respeito), os biólogos tendem a produzir determinismo biológico. Aqui a erudição ajudaria a superar tais problemas. Porém, a erudição é algo cada vez mais distante na sociedade contemporânea, que vive entre a especialização rígida convivendo com a superficialidade dos construtores de miscelâneas emergentes com a internet. Por outro lado, a episteme burguesa, um modo de pensar reducionista, anistorista e antinomista, é outro obstáculo de difícil superação, bem como os paradigmas derivados dela. Somando-se a isso e mentalidade burguesa amplamente dominante, temos um quadro que é pouco favorável para um amplo desenvolvimento de uma teoria da vida e dos seres vivos. Isso remete para a discussão sobre a impossibilidade de uma teoria da evolução das espécies na sociedade atual. Sem dúvida, existe uma dificuldade enorme nesse sentido, pois além de questões específicas como dificuldade de acesso a certos materiais informativos, especialmente a longo prazo em relação ao passado da história da vida no planeta terra, e os obstáculos acima aludidos, bem como uma história secular na qual o darwinismo gerou novos obstáculos, é difícil pensar na constituição de uma verdadeira teoria da evolução das espécies na sociedade contemporânea. Claro que se considerarmos, o que é um equívoco, que a sociedade capitalista é “eterna”, então essa possibilidade seria mais plausível, mas o capitalismo está se esgotando e não tem tanto tempo de existência. Além disso, os interesses não apontam para isso, a não ser que haja alguma reviravolta nos interesses capitalistas que diminuísse alguns destes obstáculos. É possível, no entanto, que fora do âmbito daqueles que reproduzem a mentalidade e a episteme burguesa, surja uma teoria da evolução das espécies. Existem esboços nesse sentido, mas seria necessário uma pesquisa mais profunda para ver o quanto avançam e superam os limites do darwinismo e outras concepções limitadoras. Porém, isso é uma possibilidade, não algo tendencial. E a crítica ao darwinismo pode servir para que alguns indivíduos avancem e busquem concretizar isso. Desta forma, eu não diria que é impossível, mas pouco provável, especialmente num grau de desenvolvimento mais elevado.  

 

Edições Redelp: No documentário, em certo momento, você relaciona Darwin com o criacionismo e, por fim, aparece, surpreendentemente, a afirmação de semelhanças entre darwinismo e religião. O curioso é que, como mostra o documentário, os darwinistas são geralmente antirreligiosos. O darwinismo poderia ser considerado uma espécie de religião?

 

Nildo Viana: Essa é uma das questões mais curiosas dos defensores do darwinismo. A defesa dogmática, apaixonada, fundamentada em lugares-comuns se assemelha muito mais a fé religiosa do que à ciência. É de se esperar de religiosos que não se aceite a crítica racional e fundamentada, pois a religião se justifica, em última instância, na revelação e na fé. Porém, quando uma concepção supostamente científica se coloca como inquestionável e que não aceita a crítica racional e fundamentada, aí temos um caso de dogmatismo que se aproxima da religião e é bem pouco científico. E muitos defensores do darwinismo sem maior formação, apelam sempre para as mesmas afirmações repetitivas e que não possuem validade teórica ou científica, como argumento de autoridade, remeter a supostas “provas” e “evidências” (que eles nunca apresentam), etc. Esses, em geral, não leram Darwin e apenas reproduzem discursos que leram em obras de divulgação, internet, documentários apologéticos, livros didáticos, etc.

 

O darwinismo não é uma religião, mas a defesa do darwinismo pelos darwinistas vulgares e outros se assemelha a fé religiosa.

 

Existem também, em alguns casos, valores e sentimentos que impelem ao dogmatismo. E, como se vê no documentário, a necessidade de recusar a religião a qualquer custo e de ter um dogma estabelecido para sustentar isso, gerado por insegurança diante do discurso religioso, é uma motivação para o apego dogmático de muitos ao darwinismo. O cientificismo é outro motivo para tal dogmatismo. O caráter antirreligioso de alguns darwinistas, a começar por Thomas Huxley, reforça isso, pois é uma luta de um dogmatismo contra outro. Alguns pseudomarxistas, que acham que para serem revolucionários precisam ser antirreligiosos ativistas ou então dominados por um cientificismo estreito e dogmático, acabam se agarrando ao darwinismo como tábua de salvação. Aliás, isso é tão cômico como alguns ateístas que ficam pregando o ateísmo, se assemelhando assim ao seu oposto. Os pseudomarxistas que festejaram a publicação do livro Deus, Um Delírio, de Richard Dawkins, mostraram que há algo errado. Não é por seu autor ser um representante da famigerada sociobiologia, embora isso devesse provocar pelo menos reserva por causa de seu biologismo e determinismo, mas por causa de seus argumentos e fundamentação. A sua base argumentativa é reducionista e biologista, tal como já apresentada em sua outra obra, O Gene Egoísta. E a forma como a crítica é realizada é extremamente problemática. Como alguns já perceberam, e está no documentário, Darwin e o darwinismo já foram refutados sob variadas formas e, como diz P-P. Grassé sobre o neodarwinismo, continuar defendendo esta concepção é uma questão de fé. Logo, os darwinistas, em grande parte, com seu dogmatismo, se assemelham ao que eles atribuem aos religiosos. Porém, não é possível atribuir isso a todos que se consideram darwinistas esse caráter dogmático semirreligioso, mas apenas ao que podemos chamar “darwinismo vulgar” e alguns que não estão nessa condição. O dogmatismo, no entanto, é bem mais amplo. O darwinismo não é uma religião, mas a defesa do darwinismo pelos darwinistas vulgares e outros se assemelha a fé religiosa.

 



[1] Sobre mentalidade sugiro a leitura do livro Universo Psíquico e Reprodução do Capital (São Paulo: Escuta, 2008) e sobre paradigmas hegemônicos o livro Hegemonia Burguesa e Renovações Hegemônicas (Curitiba: CRV, 2019), ambos de minha autoria, nas quais aprofundo tais questões.

[2] Da mesma forma que essa afirmação não pode ser tomada como um “modelo” que se aplica a todos os casos independentemente das diferenças reais. Não é preciso ler um livro de autoajuda para saber dos seus limites. Ou seja, a questão é mais complexa e a simplificação é um dos problemas comuns e que dificultam o avanço da consciência. Às vezes algumas pessoas pegam afirmações realizadas num contexto para tratar de determinada questão específica e querem aplicá-la a todo e qualquer caso.

[4] Cf. VIANA, Nildo. Hegemonia Burguesa e Renovações Hegemônicas. Curitiba: CRV, 2019.


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